As lesões no motocross estão cada vez mais recorrentes. O ano de 2018 começou com muitos lesionados, e a velha pergunta volta às rodas de conversa: as motos de 450cc estão fortes demais? Seriam elas as vilãs de tantas lesões?
É um debate recorrente, que já dura quase 10 anos e que ganhou força nos últimos tempos, já que as motos desta cilindrada se tornaram ainda mais fortes e mais leves.
No Mundial, em 2015, Tony Cairoli quebrou o braço esquerdo. Em 2016, Romain Febvre sofreu uma concussão, e em 2017, Tim Gajser se machucou em diversas ocasiões e em 2018 nem conseguiu estrear.
No AMA Supercross, a lista é extensa: Ken Roczen, Cole Selly, Justin Barcia, Justin Bogle, Justin Hill, Josh Grant e tantos outros ficaram pelo caminho em 10 etapas.
Seria culpa das motos, das pistas, ou da ambição insaciável dos pilotos pelas vitórias e pelos títulos (o que resulta em treinamentos e dietas obsessivas também)?
O jornalista inglês Adam Wheeler ouviu algumas opiniões sobre o assunto no paddock do GP da Argentina, nos dias 3 e 4, e você confere o debate logo abaixo.
A favor do poder das 450
Jeremy Seewer, da equipe Wilvo Yamaha, estreia este ano na MXGP após quatro temporadas de progresso na categoria MX2 (perdendo o título em sua última tentativa no ano passado).
A pequena estatura do piloto suíço (ideal para as 250) gerava dúvidas quanto a sua capacidade de pilotar uma YZ 450F em 2018. Após dissipar esse julgamento preconceituoso com um top 10 na primeira bateria da Argentina, Seewer sofreu um acidente forte na segunda bateria.
– Acho que é verdade que ao longo dos anos se tornou mais fácil pilotar uma 450. Lembro-me de crescer pilotando as 250 e os meus amigos dizendo que era impossível se divertir pilotando uma 450, porque a moto era muito forte, difícil de ‘domar’. Desde então acho que os fabricantes fizeram um grande progresso no chassi e na pilotagem. Eu esperava que a minha moto fosse pesada e difícil de pilotar, mas na primeira vez que andei com ela eu estava sorrindo, porque é uma moto muito boa de andar – disse o suíço.
Com a segunda geração de suas YZs, a Yamaha usou o mesmo quadro e chassis, tanto na 250F como na 450F, algo que agora é uma prática comum. Enquanto as equipes suam para aumentar a potência das motos na categoria MX2, na MXGP mecânicos e engenheiros estão usufruindo cada vez mais do auxílio da tecnologia na parte eletrônica.
– Nós poderíamos ter motos muito mais poderosas e os motores poderiam produzir muito mais cavalos de potência, mas estamos olhando e pensando a longo prazo. Eu acho que poder extra seria demais para nós lidarmos. Se algo der errado com uma 250, você ainda tem uma chance boa de resolver o problema. Na 450 isso é mais difícil – afirma o chefe de equipe Red Bull KTM, Dirk Gruebel.
– Tivemos esse nível de poder por um longo tempo, mas hoje o trabalho é mais sobre tentar melhorar a moto para o piloto. Eu não acho que temos muito poder com as 450… alguns pilotos reclamam que precisam de mais! Mas se você falar com um piloto que começou a treinar há apenas duas semanas, talvez ele diga que a moto é muito forte. A durabilidade da moto é uma das coisas mais importantes para nós, bem como uma moto segura para os pilotos. Não queremos problemas na pista – comenta o gerente geral da equipe HRC Honda, o brasileiro Marcus Pereira de Freitas.
A dificuldade para os pilotos da MXGP está em aproveitar todo esse poder desde o início da corrida, mas ao mesmo tempo, ter uma moto que é suficientemente rápida para enfrentar a prova, permitindo que o piloto encontre seus próprios limites de desempenho e velocidade.
Foi esta situação que Febvre enfrentou em 2017, quando a busca por uma moto de fábrica rápida, durante a pré-temporada de inverno, produziu uma 450 que era forte demais para o francês (que gosta de motos relativamente mais dóceis), o que prejudicou seu desempenho durante toda a temporada, em diversos tipos de pistas.
– A eletrônica hoje ajuda muito. Há pessoas usando o controle de tração e eles podem abrir o acelerador com força, sendo que o sistema tira o poder enquanto o piloto ainda está acelerando. É um sistema de segurança, mas se falhar, você é ‘ejetado’ da moto – volta a contribuir Jeremy Seewer.
– Todos estamos fazendo voltas rápidas e isso não significa potência máxima, e sim fazer com que a moto seja fácil de andar e confortável para o piloto – diz Graeme Irwin, atual campeão britânico de motocross e um dos novatos na categoria MXGP.
– Se as 450 fossem animais impossíveis de serem domados, então obviamente teríamos um problema, mas hoje em dia temos tanta tecnologia à disposição que podemos mudar o acerto da moto para deixá-la como queremos. Podemos torná-las adequadas ao nosso estilo de pilotagem. Eu não acho que haja algum problema com as 450. Podemos elevá-las ao nível das 500cc! – Irwin.
– A 450 é um animal completamente diferente, mas se você mantê-lo sob controle, torna-se seguro e normal – assegura Seewer.
– Treinar é completamente diferente de competir. Eu vim para esta equipe, comecei a treinar e, depois de alguns dias, pedi mais poder! As 450 nos dias de hoje são realmente fortes, mas se você é suave com o acelerador, não tem problema – completa.
Mas as lesões no motocross existem
O vídeo mostra os tombos do AMA Supercross 2017
Se o piloto pode perfeitamente gerenciar sua pilotagem sob uma 450, então qual seria o fator decisivo para tantas lesões no motocross? Será que eles estão forçando demais a mão direita?
– As corridas estão bastante competitivas, temos pilotos muito fortes. Na sua mente você sabe que se não acelerar, vai perder seu lugar numa boa equipe. Eu acho que todos estão assumindo mais riscos. Eu não sei como é nos EUA, mas o nível aqui na Europa é alto. É difícil, nos treinos você precisa ir além dos seus limites e na corrida você precisa fazer isso por mais tempo e é aí que os tombos e as lesões acontecem – explica Glenn Coldenhoff, piloto da equipe oficial Red Bull KTM.
– Eu gosto das 450 e no momento seria difícil me desfazer delas – completa Coldenhoff, que em sua carreira venceu nas duas categorias.
Isso não significa que os profissionais do motocross sejam excessivos com a parte da segurança. Pode ser que a explicação mais razoável para a alta taxa de lesões seja a natureza perigosa do próprio esporte.
A energia, a agressão e a violência passiva necessárias para correr em alta velocidade podem ser chocantes para aqueles que observam pela primeira vez.
– As motos são rápidas, mas é um esporte difícil e não acho que as pessoas percebam exatamente o quanto – diz o britânico Tommy Searle, da Bike It Kawasaki, que brilhou na categoria MX2, mas até agora não conseguiu conquistar um pódio na MXGP desde que subiu a categoria em 2013, por causa de muitas lesões.
– Erros acontecem e você paga por eles. Quando piloto, não sinto que a velocidade da moto seja demais. Mas depois que atinge o próximo nível você sabe que está indo rápido, e sabe quando a moto está lenta. Você precisa pilotar forte porque os concorrentes estão sempre aumentando a pressão – completa.
A prevenção ou redução de acidentes e pilotos lesionados é um assunto delicado, sem uma solução rápida. Promotores estão nas mãos dos fabricantes e entidades como a FIM e a AMA estão envolvidos no compromisso de otimizar a segurança dos pilotos, mas ao mesmo tempo, resguardar o futuro do esporte.
As lesões no motocross aparentemente aumentaram ao longo das décadas, são decepcionantes para os fãs, dolorosas e traumáticas para os atletas e perturbam as equipes e seus patrocinadores, por causa do investimento envolvido.
O choque de um acidente grande e inesperado nunca diminui. É um elemento horrível do motocross, mas que infelizmente precisamos aceitar, embora raramente se ouçam as queixas dos pilotos sobre a segurança das pistas por exemplo.
Já a indústria dos equipamentos de proteção fez algumas melhorias ao longo dos anos, com mais tecnologia empregada na fabricação dos capacetes, além dos famosos protetores de pescoço.