A pandemia global do coronavírus pode ter abreviado a última temporada do australiano Chad Reed no AMA Supercross antes da aposentadoria.
Conforme já noticiamos aqui no BRMX, Reed afirmou diversas vezes em entrevistas e em suas mídias sociais que esta seria sua última temporada.
E recentemente, em entrevista para o site autoweek.com (leia aqui), embora em nenhum momento tenha confirmado a veracidade da informação contida no primeiro parágrafo, o australiano disse que acha pouco provável que o AMA Supercross 2020 volte no segundo semestre, logo após o término do AMA Motocross 2020, como prometem os organizadores do campeonato.
– Duvido que teremos corridas de supercross novamente este ano. Acho que minha carreira está oficialmente encerrada, já me considero um ex piloto – disse Reed, que foi 13º colocado na 10ª rodada em Daytona (seu melhor resultado em 2020, conquistado também na rodada de Arlington) e ainda lamentou o fato do campeonato ter parado justo quando ele estava reencontrando seu melhor ritmo e forma física.
Outro detalhe que chama atenção é o fato do australiano ter colocado suas duas Hondas 2020 à venda no Instagram. E o próprio Reed, na entrevista citada acima, disse que já está se concentrando no desafio que escolheu para o seu pós carreira no motocross: o Super Trofeo North America Championship, campeonato de corridas de carro da marca italiana Lamborghini. Mas o australiano garantiu que vai disputar algumas rodadas selecionadas do AMA Supercross a partir do ano que vem, apenas por diversão.
Em números atualizados, Reed, que tem 38 anos de idade, possui 44 vitórias na categoria 450SX (quarto maior vencedor de todos os tempos, ficando atrás apenas de Jeremy Mcgrath, James Stewart e Ricky Carmichael). Largou em 258 Main Events (recorde), tem 132 pódios (recorde), e é o piloto mais velho a subir no pódio (36 anos, 11 meses e 9 dias, marca registrada no ano passado, na rodada de Detroit). Finalizou 160 Main Events no top 5 (recorde) e 211 Main Events dentro do top 10 (recorde).
Uma lenda!
Em janeiro do ano passado, a Meta Magazine, revista americana especializada em motociclismo, publicou uma longa reportagem sobre a história de Chad Reed – leia a original, em inglês aqui –, desde o início de sua carreira na Austrália, seu país natal, passando pelo Mundial de Motocross até finalmente chegar aos Estados Unidos.
São relatos surpreendentes das dificuldades e da superação que ele teve ao longo desta caminhada, rumo ao maior sonho da sua vida profissional.
Se você é fã de Chad Reed e o considera um “mito”, prepare-se para se surpreender (e o admirar) ainda mais!
Tampa, Flórida. 24 de fevereiro de 2018 (sábado), 22h45
A bandeira quadriculada havia parado de ser agitada uma hora atrás, mas uma multidão encheu um dos estacionamentos gramados do Raymond James Stadium em Tampa, na Flórida, enquanto um membro da equipe CR22 distribuía camisetas comemorativas.
A cena parecia uma comemoração de título e a pessoa responsável pela festa, pelo motivo da reunião, era Chad Reed. Ele tinha dificuldade para caminhar de um lado para o outro. Afinal, só queria ir para casa. Três dúzias de pessoas se reuniram em torno do caminhão do Team CR22 enquanto os quatro membros da equipe distribuíam brindes para a multidão.
As crianças brincavam, correndo de um lado para o outro com o entusiasmo exaltado. Os fãs, com os celulares em punho, lutavam por uma selfie. Todos queriam uma foto com Reed. E ele atendeu todos os pedidos. De bermuda escura, camiseta azul marinho e um boné da equipe, seu sorriso revelava gratidão.
Para um piloto profissional, bicampeão do AMA Supercross, em sua 17ª temporada consecutiva no campeonato, a corrida de 2018 em Tampa deixou a desejar. Ele terminou sua Heat Race em 19º, classificando-se na repescagem. No Main Event, abandonou com problemas na moto.
Ao invés de voltar para o box frustrado, ficou na pista para assistir o resto da corrida. Talvez quisesse estudar os pilotos que, em melhores circunstâncias, acreditava que ainda pudesse vencer; talvez fosse apenas porque ele ama esse esporte e queria assistir a disputa entre Eli Tomac e Marvin Musquin. Talvez ele quisesse passar mais algum tempo absorvendo os momentos positivos da noite.
Competindo a uma hora de distância de sua “cidade natal”, Dade City, na frente de 42.411 espectadores, Reed se tornou o novo “Ironman (Homem de Ferro)” do Supercross, largando para o 228º Main Event de sua carreira na categoria 450SX, superando o recorde de Mike LaRocco, sustentado por 12 anos.
Ao vencer a repescagem, ele brindou o público com um nac-nac no salto de chegada, e depois ficou no pódio, onde o locutor do evento atraiu a multidão em reconhecimento à longa e contínua carreira bem-sucedida de Reed.
90 segundos depois o momento terminou. A festa pós-corrida deu aos fãs, amigos e familiares de Reed a chance de observar uma rara conquista, colocar a vida em pausa e apreciar uma jornada de duas décadas.
Quando Reed apareceu em Anaheim, no dia 6 de janeiro, para a rodada de abertura do AMA Supercross 2018, ele ainda mancava por causa do tornozelo direito. As duas fraturas sofridas em outubro do ano anterior estavam cicatrizando. Do ponto de vista médico, lhe faltava condições físicas para pilotar uma moto.
O tálus (osso fraturado) fica abaixo da tíbia e da fíbula e forma a parte inferior da articulação do tornozelo. Ele carrega todo o peso do corpo, e para Reed, esse corpo pesava quase 20 quilos a mais em relação ao seu peso normal (77kg) quando ele começou a temporada.
E além da lesão, Reed escolheu o caminho mais difícil para correr em 2018. Ele estava sem equipe e as cinco Husqvarnas FC 450 compradas saíram do seu próprio bolso. Ao lado de sua esposa, Ellie, ele rapidamente montou o Team CR22, entre o Dia de Ação de Graças e o Natal, um investimento que ficou muito abaixo do orçamento anual de 4,2 milhões de dólares da extinta TwoTwo Motorsports (que durou de 2011 a 2015).
Uma das principais fontes de financiamento foi um ingresso VIP para os fãs conhecerem Reed e a equipe nos bastidores das etapas, ao custo de 1.200 dólares por pessoa, com vaga para 10 pessoas por etapa. O dinheiro era usado para pagar as despesas de viagem da equipe, entre uma etapa e outra.
Apesar da temporada sem inspiração, uma das piores ao longo dos seus 20 anos de carreira profissional, Reed marcou pontos em todas as 17 rodadas do campeonato, sendo um dos apenas seis pilotos a conseguir fazê-lo em 2018.
Ele terminou em 13º na classificação e seu melhor resultado numa corrida foi o 7º lugar. Quando o tornozelo estava completamente curado, a velocidade e a intensidade pela qual ele é conhecido continuavam ausentes, e ele se arrastou durante a temporada como se estivesse em um pesadelo.
No entanto, em agosto daquele ano ele passou um dia treinando com a JGR Suzuki, e se deu tão bem com a moto e a equipe que eles perguntaram se ele queria terminar o resto da temporada do AMA Motocross 2018 com eles.
Ele concordou em disputar a rodada final em Indiana, no dia 25 de agosto. 38 meses depois da sua última corrida no AMA Motocross, Reed fez 5º na primeira bateria e 8º na segunda, ficando com a 8ª posição na soma geral.
– Ainda há muito a ser feito. Eu sinceramente acredito que ainda posso vencer. Essa sensação de voltar depois de tanto tempo e ainda conseguir pilotar em alto nível é incrível. Em termos de pilotagem, me sinto no mesmo nível de caras como Tomac e Anderson. Acredito que nossa pilotagem está no mesmo patamar, ainda posso fazer as mesmas coisas que eles estão fazendo – disse Reed, na época.
Mas como ele chegou até aqui? Continue lendo…
Austrália, Estado de Nova Gales do Sul, 1997
O chefe da equipe Suzuki Austrália em 1997, Jay Foreman, mal podia acreditar na rapidez com que um adolescente de 15 anos (no caso Reed) estragava suas motos.
Num único dia, ele destruiu a embreagem de sua RM 125; as rodas dentadas do contra-eixo por vezes voltavam para a oficina sem os dentes.
Num complexo de pistas de motocross chamado Crazers, Reed costumava treinar até o tanque de gasolina de sua Suzuki esvaziar. Quando isso acontecia, ele voltava, enchia o tanque de novo e recomeçava o treino.
Ele desenvolveu esse hábito quando ouviu uma história sobre o fato de Ricky Carmichael só encerrar um treino quando tivesse esvaziado cinco galões de gasolina num dia.
A história até poderia ser falsa, mas era verdadeira, Ricky Carmichael fazia exatamente isso e Reed tinha um pôster dele pendurado no quarto, na parede acima de sua cama.
O que Reed sabia era que Carmichael, apenas dois anos mais velho que ele, já estava conquistando títulos nos Estados Unidos. Reed disse a si mesmo:
– Tenho que fazer exatamente como ele faz. Se ele consegue, então eu também posso conseguir.
Ele passou a treinar cada vez mais e gastar tanto combustível quanto fosse possível. A oficina de Foreman, seu chefe na equipe Suzuki Austrália naquela época, ficava apenas 20 minutos da pista onde ele treinava. Se Reed estragasse uma moto no final do treino, ele simplesmente ia lá e pegava outra.
– Não importa quem estava por perto ajudando, ele iria conseguir. Eu tinha certeza que ele seria um grande campeão, pois ele queria muito isso e nada iria pará-lo – disse Foreman.
Foreman havia observado Reed crescer no motocross local em Nova Gales do Sul e pegou o garoto para competir pela Suzuki no Australiano de Motocross Junior.
No entanto, quando estava prestes a se tornar profissional, Reed deixou claro que queria ultrapassar completamente a categoria 125cc. Ele dizia que faltava fôlego para a moto, já que estava andando de 250cc desde que tinha 12 anos. Foi uma decisão nada convencional.
– Foi difícil convencer meus superiores na Suzuki Austrália, porque na Nova Zelândia, por exemplo, os pilotos podiam se mudar para a divisão sênior (profissional) aos 15 anos de idade, mas sempre começando pela categoria 125cc – explica Foreman.
Em outubro de 1997, Foreman enviou Reed para o país vizinho, a Nova Zelândia, para competir em sua temporada profissional de motocross nas categorias 125cc e 250cc. Foreman disse que o acordo era que, se ele pudesse derrotar o astro em ascensão Josh Coppins (que tinha 20 anos na época) no ano seguinte ele poderia ir direto para a categoria 250cc na Austrália. Nas palavras do próprio Reed, é inapropriado dizer que o período na Nova Zelândia foi uma “prova de fogo”. Apenas uma oportunidade de se profissionalizar mais cedo.
– Decidi fazer as coisas acontecerem. Deixei de me intimidar com a presença de pilotos como Cameron Taylor, Andrew McFarlane, Michael Byrne e Peter Melton. Meu primo, Craig Anderson, que na época era campeão australiano, tinha total capacidade de derrotá-los, então eu treinava o tempo todo com ele, aprendi muito com ele. De maneira ingênua e excessivamente confiante, eu acreditava que deveria deixar de ter preocupações e essa “aula” na 250cc era onde eu precisava estar – explica Reed.
Em um dos muitos exemplos de crescimento rápido, Reed foi para a Nova Zelândia sozinho. Um homem chamado Dave Craig ficou responsável por ele e o ajudava nos treinos com tudo que podia.
Em relação a meta de derrotar Josh Coppins, Reed ficou no quase, mas mesmo assim Foreman concedeu-lhe o desejo de competir na categoria 250cc do Australiano de Motocross em 1998. O fato de um jovem de 15 anos conseguir ir sozinho para um país estrangeiro e se adaptar bem o suficiente para permanecer na briga pelo título era algo impressionante por si só.
Descobrir esses fatos na história de Chad Reed é muito interessante, já que seus pais nunca puderam o ajudar como ele gostaria. Eles estavam muito ocupados trabalhando duro para sustentar seus três filhos (incluindo o próprio Chad).
A paixão pelas motos começou em julho de 1986
Um tio por parte de mãe foi piloto de motocross e apresentou para Reed (na época com quatro anos), em julho de 1986, e para seu primo Craig Anderson (quatro anos mais velho), o mundo do motocross.
Uma das primeiras lembranças de Reed é um caminhão levando seu cavalo de estimação, Fern, embora. Presente dado por seus pais, eles o venderam para poder comprar uma Yamaha PW50. A 45 minutos de carro dali, Reed e Anderson tinham cinco pistas diferentes para treinar, incluindo o Cessnock Motorcross e o Lake MacQuarie Motor Bike Clubs. Bastava escolher.
– Quando o gate de largada caiu na minha primeira corrida, lembro que fez um barulhão. Fiquei muito assustado (risos), mas fui em frente, sem me acovardar. Estava decidido que era aquilo que eu queria fazer na minha vida – disse Reed.
Anderson disse que eles costumavam treinar todos os dias, até o pôr do sol, e depois voltavam para casa no escuro. A evolução veio rapidamente.
– As técnicas de pilotagem ninguém nos ensinou nada. Tivemos que descobrir tudo sozinhos. Faltava dinheiro nas nossas famílias. Nossas motos eram uma merda, os pneus estavam sempre no limite, quase carecas – disse Anderson.
Anderson sabia que seu priminho de seis anos tinha o sonho de ser bem-sucedido no motocross, e apesar da diferença de idade entre ambos, a competitividade impulsionava um ao outro. Reed queria muito ser como Anderson e vencê-lo.
E, obviamente, sendo quatro anos mais novo, tinha desvantagem, precisando ser muito rápido para conseguir acompanhar o primo. Correr nos Estados Unidos tinha deixado de ser apenas um objetivo; era um sonho que ele alimentava assistindo diariamente os filmes de Jeremy Mcgrath, seu ídolo confesso.
Aos 13 anos, Reed mudou-se para Kurri Kurri, onde seu pai comprou uma área de 10 hectares. A primeira pista que eles construíram era rápida, cheia de curvas apertadas e saltos longos. Cair numa dessas curvas significava ir parar literalmente no meio do mato, ou atrás de arbustos.
Em Kurri Kurri, Reed se destacou e recebeu apoio da Suzuki. Após um dia inteiro de corrida, ele voltava para casa e continuava treinando em sua pista particular.
Ele gastava quase 200 litros de combustível por semana. Na época cada litro custava cerca de 1 dólar australiano, o que ajudava a tornar a caminhada do seu sonho um pouco mais fácil.
Reed viveu com sua família dentro de um trailer por dois anos e meio, enquanto seu pai construía uma modesta casa de 30 metros quadrados.
Quando Reed tinha cerca de 14 anos, soube de uma turnê que daria aos jovens talentos australianos a oportunidade de viajar para os Estados Unidos para treinar e competir.
O convite para ir nunca foi feito e Reed sabia que o preço estava fora das condições de seus pais. O que ele se lembra é de ser um jovem adolescente e, em suas próprias palavras, perceber que no mundo extremamente político em que vivemos, nem tudo é baseado em talentos. Na época, um amigo perguntou por que ele tinha deixado de ir. A resposta foi:
– Nunca vou me importar com essas coisas, porque vou chutar o traseiro de todos eles quando voltarem.
As crianças voltaram para casa com uma quantidade invejável de roupas e equipamentos, incluindo capacetes personalizados da Troy Lee Designs.
– Claro que ele ficou com inveja e com um aperto no coração. Eles eram garotos que vinham de famílias com muito dinheiro, mas provavelmente só Chad tinha o desejo ardente de correr nos Estados Unidos, e mesmo assim eles viajaram e ele ficou aqui. Pelo que conheço dele, aposto que usou isso como motivação para treinar ainda mais – disse o amigo.
Além da mágoa de perder a viagem, seu professor de matemática na escola lhe dizia para parar de sonhar acordado quando o assunto era motocross.
– Você acha que vai conseguir fazer o que Jeff Leisk fez? – Perguntou o professor, se referindo ao ídolo australiano das décadas de 80 e 90, que conseguiu vários pódios no AMA Supercross e foi vice-campeão mundial de motocross das 500cc em 1989.
– Me lembro de olhar para o professor e dizer: “eu vou ser melhor do que ele foi” – disse Reed.
Alguns anos depois, quando Reed já era um piloto de carreira consagrada nos Estados Unidos, o professor de matemática lhe mandou uma carta, pedindo-lhe desculpas.
“Eu tenho dois braços e duas pernas, então posso fazer as mesmas coisas que ele está fazendo”
Apesar de Reed ter subido diretamente para a categoria 250cc em 1998, o salário inicial da equipe Suzuki Austrália para jovens pilotos de motocross na época era de apenas 5 mil dólares australianos.
Para economizar dinheiro, além de disputar as rodadas do Australiano de Motocross, ele dirigia a van da equipe para as corridas.
Ou seja, com apenas 16 anos e ainda sendo um estudante, ele já compartilhava tarefas de adulto.
Reed gostou desse processo e, além disso, ainda pensando na economia, enquanto dirigia a van da equipe ao longo da estrada, economizava nas refeições, comendo salsichas, tortas de carne e outros alimentos.
Sua bebida preferida era leite achocolatado. Nessa época, certa vez alguém lhe perguntou o que ele achava de Rick Carmichael, campeão do AMA Motocross na categoria 125cc. Reed respondeu:
– Eu tenho dois braços e duas pernas, então posso fazer as mesmas coisas que ele está fazendo.
Ele estava simplesmente repetindo o que seu pai havia lhe ensinado: nos esportes, ninguém está acima de ninguém, nenhum atleta é imbatível, todos podem ser derrotados. Reed tinha extrema confiança, mas ainda nutria algumas dúvidas.
Certo dia, quando ainda tinha 16 anos, seus irmãos e amigos foram para a escola, seus pais para o trabalho e ele ficou em casa, entediado, já que adorava os treinos com moto, mas ainda odiava ter que se preparar fisicamente, passando longe de academias.
Ele começou a quebrar esse paradigma neste mesmo dia, quando vestiu uma bermuda de banho, pegou sua bicicleta e pedalou quase 5 km até a piscina pública de sua cidade, Kurri Kurri, nadou 20 voltas completas e voltou para casa.
– Me adaptar à vida de um atleta profissional foi um choque enorme. Em 1998 eu ainda era uma criança, meio que perdido e sem saber o que fazer. Fiquei nesse dilema de voltar para a escola e largar o motocross, ou tentar conciliar os dois. Acabei ficando só com o motocross. Lógico que estudar é importante, mas hoje em dia fico triste quando vejo um adolescente cuja a vida e a rotina diária estão sob constante vigilância. Com esse tipo de pressão, infelizmente é normal que muitas carreiras no motocross terminem aos 26 anos de idade. Algumas coisas você precisa descobrir por conta própria – diz Reed.
Em agosto, na última etapa da temporada de 1998 do Australiano de Motocross, Reed caiu e quebrou a perna enquanto tentava ultrapassar Andrew McFarlane, para garantir a vitória na segunda bateria (já havia vencido a primeira).
A fratura exigiu cirurgia para a colocação de seis parafusos. Com essa inatividade forçada ele acabou voltando a viver a vida de um adolescente normal, usando apenas uma scooter da Suzuki para percorrer a cidade e encontrar os amigos.
Em 30 de agosto de 1998, Reed pegou sua scooter e foi para uma festa de aniversário há cerca de um quilômetro da sua casa.
Muitos de seus amigos e ex-colegas de escola estavam lá (Reed havia abandonado a escola quando estava no 9º ano, em outubro de 1997). Uma das pessoas que estavam nesta festa era Ellie Brady.
Ele havia visto ela dois anos antes, no primeiro dia de aula, quando fizeram contato visual na biblioteca da escola. Ela tinha cabelos castanhos e olhos castanho-escuro, mas era o sorriso de Ellie que impressionava Reed.
Filha de uma professora e de um minerador de carvão, Ellie passou a vida toda em Kurri Kurri e planejava se tornar professora, seguindo os passos da mãe.
Na festa, voltou a rolar um clima entre eles e finalmente a primeira conversa, onde ela pôde notar os impressionantes olhos azuis dele.
– Quando eu quiser ter filhos, vou te procurar para que eles tenham olhos azuis como os seus – disse ela para ele.
Quando a festa acabou, antes de se despedirem e irem embora, eles deram o seu primeiro beijo. Segundo Ellie, Reed era convencido, mas fofo, e ela adorava essa personalidade dele.
Ellie rapidamente descobriu que seu namorado tinha o sonho de ser piloto de motocross nos Estados Unidos. Sem saber exatamente o que essa “profissão” significava na prática, sentia-se fora dos planos dele.
– Nunca falamos em ficar juntos para sempre. Apenas estávamos curtindo o nosso namoro, mas isso foi ficando cada vez mais sério – diz ela.
No final de dezembro de 1998, Reed foi para os Estados Unidos graças a uma cláusula contratual da qual ele havia lutado muito para conseguir.
Ganhando um salário de 25 mil dólares australianos na Suzuki, ele queria tentar algumas corridas nos Estados Unidos antes do início da temporada de 1999 do Australiano de Supercross, marcada para o final de janeiro.
O seu ainda chefe de equipe, Jay Foreman, aceitou o pedido e foi junto com ele. Eles chegaram um dia antes do ano novo e pegaram emprestado uma Suzuki RM 125cc da equipe oficial de fábrica, porém, de segunda mão. A moto estava inclusive sem os grafismos.
Reed passou o mês inteiro dormindo no trailer de Allen Knowles, um amigo de Foreman que frequentemente levava visitantes para sua casa em Rowland Heights, na Califórnia.
A rotina diária de Reed consistia em treinos de Mountain Bike nas montanhas do entorno de Anaheim, comer frango e massa todas as noites num restaurante local e assistir MMA com Danny Ham (outro piloto australiano) na sala de estar até altas horas da noite.
– Eu e minha esposa ríamos como crianças em idade escolar, ao mesmo tempo em que tentávamos dormir – relembra Knowles.
Na pista de testes da Suzuki, ele pôde observar os estilos de pilotagem de Greg Albertyn e Larry Ward.
– Eu também posso fazer isso! – disse ele na época.
E claro, ele foi até a pista de testes da Yamaha assistir um treino do seu ídolo de infância, Jeremy Mcgrath.
– Eu mal podia esperar para terminar o meu treino e ir lá assistir Jeremy com sua YZ 250 2 tempos – disse ele.
A viagem teve um revés quando ele sofreu uma fratura no polegar direito, numa corrida de preparação. Reed até tentou treinar na abertura em Anaheim, mas as dores eram muito fortes e ele desistiu das corridas.
Na semana seguinte, em San Diego, mesmo com o polegar latejando, nos treinos classificatórios ele foi o mais rápido em seu grupo, garantindo vaga direta na programação noturna.
Em um caminhão Penske alugado, parado nos fundos do estacionamento do estádio de San Diego, o garoto de 16 anos se misturava ao resto dos pilotos. Mas ele sequer conseguia chamar atenção do homem que havia lhe emprestado a moto, o chefe da equipe Suzuki, Roger De Coster.
Na época a mídia ignorou completamente Reed. Seu nome recebeu uma menção nos parágrafos da revista Cycle News, mas apenas no contexto de listar os pilotos que haviam se classificado para o Main Event.
Reed disputou essa corrida com o numeral #967 ou #997, pois ninguém da imprensa que estava na corrida naquele dia consegue se lembrar direito.
Cerca de cinco anos depois, após Reed começar a ganhar campeonatos nos Estados Unidos, Foreman teve uma conversa com De Coster, sobre o seu aparente desprezo em 1999.
– Eu deveria ter acreditado mais em sua palavra sobre o quão bom ele era. Eu cometi um erro. Fui incapaz de enxergar o talento dele. Apenas achei que era um garoto arrogante e isso me aborreceu – disse De Coster.
Reed gosta de brincar dizendo que ele deveria ter tentado ser “francês o suficiente” para chamar a atenção de De Coster (na época, os únicos pilotos estrangeiros que estavam conseguindo se destacar nos Estados Unidos eram em sua maioria franceses).
Hoje, parece surreal que um piloto como ele tenha passado praticamente invisível em sua primeira corrida nos Estados Unidos, porque muitos esquecem que o italiano Alessio Chiodi, na época bicampeão mundial de motocross na categoria 125cc, também estava em turnê nos Estados Unidos e também passou despercebido, mesmo finalizando em 5º na abertura em Anaheim e em 4º na segunda etapa em San Diego. Ainda em 1999, Chiodi conquistaria seu terceiro título mundial de motocross.
Reed voltou para a Austrália sem sequer chamar atenção em sua passagem nos Estados Unidos. Mais três anos se passariam até sua segunda corrida no AMA Supercross, em 2002.
Quando voltou para a Austrália, seus pais o ajudaram a deixar a pista de supercross que haviam construído em sua propriedade particular, em Kurri Kurri, mais parecida com a que ele havia disputado o AMA Supercross em San Diego.
Os três deram o melhor de si, mas suas habilidades amadoras nesse quesito deixaram as aterrisagens dos saltos tão íngremes quanto as rampas de lançamento. Andar naquela pista exigia um timing mais do que preciso.
“Eu venci honestamente e vocês estão com medo de admitir isso”
A temporada de 1999 do Australiano de Supercross começou no final de janeiro, com a rodada de abertura disputada no Newcastle Speedway.
Essa também foi a primeira corrida que Ellie prestigiou Reed. Além dela, toda a família dele (pais e irmãos) e seus amigos, que usavam camisetas escrito REED, com letras imprensadas entre grossas linhas pretas.
Reed caiu duas vezes, completando a 15ª volta em 7º, mas mesmo assim conseguiu a vitória, ultrapassando seu primo Craig Anderson e o atual campeão na época, Peter Melton, ambos na última volta.
Ao aceitar um protesto depois que a corrida terminou, os organizadores decidiram que Reed havia cortado caminho e o penalizaram, derrubando-o para o 4º lugar no resultado final.
De acordo com um artigo da revista australiana Transmoto, escrito pelo jornalista Andy Wigan, Reed confrontou os oficiais de pista e os pilotos que haviam protestado, dizendo:
– Eu venci honestamente e vocês estão com medo de admitir isso. Mas quer saber? Eu nem me importo, porque vou acabar com todos vocês na semana que vem, vocês sabem disso!
Reed desde o início mostrou muita velocidade e perspicácia, mas passou muito tempo abatido por causa desse episódio, já que a imprensa o impediu de esquecer tão cedo.
– Eu dizia para ele: “por que essa preocupação? Isso está passando dos limites. Desse jeito vai ser impossível você seguir em frente – disse o seu chefe de equipe, Jay Foreman.
– As revistas na época diziam: “esse cara nunca vai conquistar nada se continuar jogando sujo”. Ele se ofendeu muito com isso – completa Foreman.
Mesmo com o revés na primeira rodada, Reed venceu o campeonato, tornando-se o mais jovem piloto na história a ser campeão australiano de supercross, na época com apenas 17 anos.
“Foi literalmente uma decisão de merda”
Em 2000, Reed assinou com a equipe CDR Fox Yamaha, mas teve que aprender a ser ainda mais independente, porque a equipe ficava em Melbourne, mais de 10 horas distante de Kurri Kurri.
Ele cuidava do seu próprio estoque de peças, mantinha suas duas motos de treino em casa, e trocava pneus e ponteiras por conta própria.
– Ir para a Yamaha foi literalmente uma decisão de merda – brinca Reed, rindo.
Mas apesar disso, ele lembra dessa época com carinho, pois acredita que isso o ajudou a amadurecer mais um pouco.
Seu relacionamento com Ellie também floresceu, e além de ir para a escola, ela ajudava ele na garagem de casa, com as coisas relacionadas a moto e as corridas.
Aliás, nessa época Ellie também tinha 18 anos, era colegial, trabalhava meio período em uma mercearia e fora aceita na universidade.
A despedida
No final daquele ano, Reed recebeu uma proposta para competir pela equipe Kawasaki, do falecido Jan de Groot, no Mundial de Motocross das 250cc em 2001.
No outono ele foi para o Japão fazer testes com a equipe e depois disputou o Supercross de Bercy na França.
Quando voltou para casa, Reed sabia que tinha uma decisão importante para tomar. Na época, mal sabia ele que seria a decisão mais difícil de sua vida, que afetou profundamente o relacionamento com seus pais.
Para seus pais era impossível ir junto para a Europa; eles tinham que trabalhar para criar seus irmãos mais novos. Seu primeiro instinto foi levar Ellie, com quem estava namorando há quase 18 meses.
Seus pais sugeriram que ele levasse um amigo mais velho. Afinal de contas, dois adolescentes sozinhos na Europa? Para os seus pais isso estava fora de cogitação e rapidamente essa questão sobre quem iria junto se transformou numa discussão.
Seu pai tentou negociar, oferecendo-se para pagar o voo de qualquer outra pessoa que ele quisesse levar junto. Sem chegarem num acordo, seu pai finalmente lhe disse:
– Se você levar Ellie, eu me livro de qualquer responsabilidade com você.
As palavras dolorosas deixaram cicatrizes que permanecem até hoje e colocaram uma forte pressão no relacionamento com seu pai.
Reed absorveu esse golpe por conta própria e optou por guardar essa história só para si (Ellie só ficaria sabendo muitos anos depois).
Em seguida, ele perguntou se ela queria ir junto com ele. Reed sabia dos planos dela com a faculdade e se preocupava com o fato dela sentir saudades de casa, já que Ellie vinha de uma família muito unida e tinha duas irmãs e um irmão.
Ela gostou da ideia e os dois rapidamente foram conversar com os pais dela, que deram a benção ao casal adolescente.
Como qualquer um que em seu lugar estivesse preocupado, o pai de Ellie abriu a seção de perguntas com a clássica:
– Como você vai sustentar ela?
O contrato de Reed com a Kawasaki era de 80 mil dólares, com as despesas pagas pela equipe em florins holandeses (a circulação definitiva do Euro na Europa só começou em 2002).
Reed e Ellie foram morar sozinhos na Bélgica, gerenciando sua própria logística e dirigindo um pequeno motorhome por vários países, entre uma corrida e outra.
Isso em nada lembrava uma simples excursão de mochila nas costas. Antes de partirem, Reed olhou nos olhos do pai de Ellie e assegurou-lhe que cuidaria de sua filha.
No que diz respeito a faculdade, Ellie adiou sua educação por um ano e se preparou para deixar seu país natal pela primeira vez na vida.
No final de janeiro de 2001, Reed venceu as duas primeiras rodadas do Australiano de Supercross, derrotando seu primo Craig Anderson na primeira noite, e Peter Melton na noite seguinte.
Dias depois, com apenas duas malas cheias de itens pessoais, ele e Ellie deixaram para trás suas humildes casas, seus amigos, seus familiares e foram atrás do sonho de conquistar o mundo.
Nessa despedida, Ellie chorou primeiro. Houve uma conexão em Hong Kong e Reed atribuiu o choro dela a uma combinação de saudade e cansaço por ter de encarar mais um voo de 10 horas.
Ela se recuperou até o final da viagem, quando eles chegaram e partiram para a sua nova casa em Lommel, na Bélgica. O GP da Austrália foi a única rodada fora da Europa naquela temporada.
Eles dirigiram seu pequeno motorhome para todas as corridas: Bélgica, Alemanha, Áustria, Suécia, França, Suíça, etc. Isso por si só gerou histórias para uma vida toda.
Um ou dois dias antes do 19º aniversário de Reed, eles chegaram numa parada de automóveis na fronteira, quando se dirigiam para a rodada de abertura, o GP da Espanha, em Bellpuig, distante cerca de 15 horas do local onde estavam.
Os celulares que eles tinham em 2001 serviam apenas para fazer ligações. Então eles foram num posto de gasolina, Ellie comprou um mapa e aprendeu a lê-lo.
– Tivemos muitas brigas e discussões sobre as direções que deveríamos seguir… relembra Reed, rindo.
Ao que Ellie interrompe rindo e diz:
– Mas foi incrível!
“Nós viemos até aqui para você se sentir um merda e chorar?!”
No dia 1º de abril de 2001, Reed chorou. Naquele momento, Ellie descobriu seu verdadeiro papel. A segunda rodada do Mundial de Motocross foi o GP da Holanda, em Valkenswaard. Reed começou o fim de semana exausto, depois de treinar muito numa pista de areia (exatamente como a de Valkenswaard).
Na corrida, ele caiu três vezes e lutou muito contra as profundas canaletas de areia, que eram diferentes de tudo que ele já tinha visto. Reed terminou fora do top 15.
Quando voltou para o caminhão da equipe, ele tirou o capacete, sentou-se num carrinho de bicicleta na parte de trás de seu motorhome e soluçou de tanto chorar. Ellie o abraçou e gritou.
– Nós viemos até aqui para você se sentir um merda e chorar?!
17 anos depois, ela reconta a cena com a mesma ênfase e o mesmo tom que usou na Holanda. Ele estava se sentindo um fracasso e Ellie jamais iria permitir isso.
Ambos haviam se sacrificado demais. Ellie “comprou” o sonho do namorado e estava disposta a fazer o que fosse preciso para ajudar ele.
– Acho que isso nos fortaleceu, nos aproximou ainda mais. Nós dois trabalhávamos como uma equipe – disse Reed.
Reed passou a primeira parte da temporada fora do top 5, enquanto que o francês Mickaël Pichon, da Suzuki, se distanciava cada vez mais na liderança do campeonato.
Após cinco rodadas, Reed era o 11º na classificação. Na sexta rodada, o GP da Bélgica, disputado em Spa Francochamps, ele conseguiu seu primeiro pódio ao finalizar em 3º.
Antes da metade do campeonato, conversas sobre a ida de Reed para os Estados Unidos, na temporada seguinte, começaram a se espalhar e ninguém se esforçava para manter isso em segredo.
Na 12ª rodada em Lierop (Holanda), no mês de setembro, Reed se tornou o segundo australiano na história a vencer um GP do Mundial de Motocross (o primeiro havia sido Jeff Leisk, nas décadas de 80 e 90).
Nesse ponto da temporada ele já havia assinado com a equipe Yamaha Of Troy para disputar o AMA Supercross 2002 na categoria 125cc Costa Leste (atual 250SX).
A decisão surpreendeu Jan de Groot, que tinha tanta vontade de manter Reed na equipe que disse para Mitch Payton, chefe da Pro Circuit Kawasaki, que já havia renovado com ele para 2002.
Reed disse que teria ficado mais um ano no Mundial de Motocross em troca de uma vaga garantida na Kawasaki em 2003, na categoria 250cc (hoje 450SX). Mas isso nunca aconteceu.
Em outubro, Reed retornou à Austrália e venceu as duas últimas rodadas do Australiano de Supercross (derrotando o então campeão do AMA Supercross na categoria 125cc Costa Leste, Travis Pastrana).
Mais tarde, naquele outono, ele e Ellie chegaram aos Estados Unidos exatamente como haviam chegado à Europa menos de um ano antes: de olhos arregalados e com apenas algumas bagagens nas mãos.
Com pouco dinheiro e um orçamento apertado, eles passaram seis semanas no apartamento de dois quartos de Sharon Richards e sua filha de 21 anos.
Richards era a diretora de serviços ao cliente do escritório que confeccionou o contrato de Reed com a Yamaha of Troy, e se recorda dele e Ellie como duas crianças doces, impressionáveis e empolgadas, felizes por vivenciar um sonho que se tornava realidade.
Ela os ajudou em tudo, desde a compra de um carro até a aquisição de uma pequena casa no sul da Califórnia.
A Yamaha permitiu que Reed disputasse as três primeiras rodadas do AMA Supercross na categoria 250cc, enquanto esperava o campeonato da Costa Leste na categoria 125cc começar.
Em 5 de janeiro de 2002, na abertura em Anaheim, ele foi o 6º colocado. Em 9 de fevereiro aconteceu a primeira de suas seis vitórias consecutivas na categoria 125cc Costa Leste (da qual ele se sagraria campeão).
Pouco mais de dois anos depois, em 2004, ele foi campeão do AMA Supercross na categoria 250cc (voltaria a ser campeão em 2008).
– Essas lembranças antigas são provavelmente aquelas que me deixam mais orgulhoso, porque éramos tão jovens e tomamos decisões de tamanha responsabilidade e coisas do tipo. E só hoje percebemos que, da mesma forma que tudo deu certo, poderia ter dado tudo errado. Sinto que, tantos anos depois, isso é a essência do que nós éramos, e aqui estamos hoje e continuamos sendo da mesma forma – disse Reed.
Dade City, Flórida. Domingo, manhã de 25 de fevereiro de 2018
Na manhã seguinte ao AMA Supercross em Tampa, não havia nenhum sinal de vida na comunidade do bairro onde Reed e Ellie *moravam em Dade City, Flórida, distante 42 minutos do centro de Tampa (*adaptamos a tradução em função da época em que a reportagem foi publicada. Reed era piloto da equipe JGR Suzuki e mudou-se com sua família para a Carolina do Norte, Estado sede da equipe. A casa dele em Dade City foi vendida).
O bairro é tão tranquilo às 10h30 da manhã que parece abandonado. Lá dentro, crianças de pijama correm pela sala, caindo sobre as almofadas no sofá.
Ellie está passando aspirador de pó, enquanto seus três filhos, Pace, Kiah e Tate, brincam. Eles estão felizes porque é muito raro ter o pai em casa no café da manhã, num domingo de inverno.
Reed serve uma tigela de aveia para o caçula Pace. Ele come tão rápido que todos se perguntam se ele jogou tudo no chão para alimentar os cães de estimação; mas Lulu, da raça Shih Tzu, e Milo, filhote de Bulldog Francês, estão vadiando do outro lado da cozinha.
Pace está com o rosto coberto de pedaços de aveia cozida. Ele ri para o pai, que devolve o sorriso. Esse é Chad Reed em casa, o cara que só a família e os amigos mais íntimos conhecem.
Sempre que está em casa ele é um pai presente, que aparece nos eventos escolares, nos jogos de futebol dos filhos, nas aulas de ginástica artística da filha, ajuda nos deveres de casa, e a noite coloca todos na cama e conversa com eles antes de apagar as luzes.
Em casa, Reed aperfeiçoa suas habilidades de padeiro, preparando um suflê de chocolate e sempre que pode abre livros de receitas para tentar algo novo.
As crianças adoram as receitas do pai. E caso você esteja se perguntando, o desejo de Ellie foi atendido, pelo menos com os dois meninos, já que eles têm os olhos azuis do pai.
– Ele é o adulto infantil mais doce e feliz que eu conheço. Espero que um dia esse outro lado dele fique visível e as pessoas enxerguem isso. É esse outro lado dele que o ajudou a chegar aonde ele queria profissionalmente – diz Ellie.
A vida dos filhos pode ser muito diferente da vida que os pais tiveram em Kurri Kurri, mas Reed sabe que há muitos valores de sua própria educação humilde que podem ser transmitidos para eles.
– Meu pai nunca foi um atleta profissional, mas eu lembro dele chegando em casa com as mãos calejadas de tanto trabalhar. Eu quero que meus filhos saibam que é preciso trabalhar duro para chegar onde se quer e quero que eles tenham seus próprios sonhos – diz Reed.
Nas corridas, Reed equilibra o lado piloto com o lado pai, ora desligando um e ligando o outro. Mas ele jamais esconde quando está chateado ou frustrado. E ele jamais quer que seus filhos fiquem satisfeitos com resultados medíocres.
– Da maneira como eu cresci, ficaria desapontado se meus filhos ficassem satisfeitos com resultados ruins ou medianos. Acho que se satisfazer com resultados assim nunca será algo saudável. Talvez as pessoas desaprovem essa minha postura de pai, mas é claro que ao mesmo tempo eu nunca fico cobrando demais eles em tudo – explica.
Reed teve uma temporada difícil no AMA Supercross 2018, com muitas frustrações e resultados pouco satisfatórios.
Mas sua quantidade de fãs jamais diminuiu, pelo contrário, cresceu. No supercross em Tampa, os candidatos a fotos e autógrafos se alinharam em frente ao box de sua equipe uma hora antes da sessão oficial começar.
Talvez eles queriam ver o campeão pela última vez antes dele ir embora. Jay Foreman, o chefe da equipe Suzuki Austrália, disse que nunca viu um piloto gostar tanto de andar de moto como Chad Reed.
E na opinião dele, sua surpreendente capacidade de adaptação a um novo país, um novo ambiente e um novo estilo de vida, o tornaram ainda mais especial.
Como profissional, Reed teve momentos, temporadas, motos e equipes com as quais ele nunca conseguiu se dar bem, o que o fez repensar sobre sua carreira.
Houve um período em que ele achava que 26 ou 27 anos era a idade ideal para pendurar as botas, assim como fizeram outros campeões como Jeff Stanton, Ricky Carmichael, Ryan Villopoto e Ryan Dungey.
Mas como que de repente, alguma coisa reascendeu a sua paixão pelo esporte. A ideia de aposentadoria parecia algo absurdo, especialmente quando Reed e Ellie se davam conta de que este momento estava cada vez mais perto.
Talvez Chad Reed ainda estivesse sonhando. Sonhando com outro pódio, outra vitória, outro título, ou simplesmente mais um ano fazendo aquilo que ele ama mais do que qualquer outra coisa desde que tinha 4 anos de idade.