A Receita Federal apreendeu mais de dez motos de motocross e enduro no domingo, 20, no Mato Grosso do Sul. A operação, de acordo com André Souza Azambuja, presidente da Federação de Motociclismo do Mato Grosso do Sul (FEMEMS), aconteceu sem aviso prévio e surpreendeu a todos durante a terceira etapa do campeonato estadual de motocross, realizada em Maracaju, cidade a cerca de 160 quilômetros da capital, Campo Grande.
– Eles (Receita Federal acompanhada da Polícia Rodoviária Federal) bateram por volta das 9h, quando estávamos iniciando os treinos. Fecharam o portão do box e não deixaram mais nenhuma moto sair. Falaram que iriam vistoriar. Pediram pra ver nota, e pessoal ia mostrando as notas. Eles fotografavam a nota, o CPF, o RG do dono, o chassi das motos – detalha o presidente da FEMEMS, também conhecido pelo apelido de Gaúcho.
– Aconteceu de ter duas motos com o mesmo chassi e outras não tinham nota. Essas eles recolheram, colocaram num caminhão e falaram que iriam averiguar. Disseram que quem tiver nota é só passar na receita e apresentar, que pode levar a moto pra casa. E também foram em uma prova de enduro em outra cidade e apreenderam mais três ou quatro motos – emenda, Gaúcho.
– Os fiscais falaram que está acontecendo muita venda de moto do Paraguai. Dizem que descobrem muita coisa pela internet, dizem que tem gente que ensina na internet como comprar moto no Paraguai. Eu vi que eles estavam chamando de “Operação Motocross”. E falaram que vão bater no Brasil todo. Tinha 60 pilotos lá. Eu devolvi R$ 2.100 de inscrição de gente que não pôde correr porque ficou sem moto – relata Gaúcho.
O fotógrafo Thyago Lorenz, que fazia a cobertura do evento, conta mais detalhes:
– Nem fiz registro porque foi uma cena deplorável. Pilotos chorando, vendo seu equipamento de lazer ou de trabalho sendo preso como se fosse roubado. Fato é que vão estender a operação por todo país. Não somos bandidos. São equipamentos caros e existe lei para regulamentar essa forma de aquisição de equipamento – argumenta o fotógrafo.
Sandro Renato Barboza de Oliveira, chefe da equipe Sandro Motos, de São José do Rio Preto, São Paulo, estava no local e viu três motos suas serem levadas pela Receita. Ele diz que os fiscais mal sabiam identificar o ano das motocicletas.
– Eles não sabiam o que estavam fazendo. Não sabiam nem identificar o ano da moto. No meu caso, tenho certeza que a moto é oficial, tem nota, mas eles disseram que tinha uma letra diferente no chassi e na nota, mas isso olhando a olho nu. E eles simplesmente recolhem uma moto de mais de 30 mil reais. É uma pouca vergonha o que estão fazendo. Ninguém incentiva o esporte e ainda fazem isso. A gente se esforça, vai atrás de patrocinadores, compra as motos e acontece isso. A CBM tem que entrar no meio disso, porque se não não vai mais ter corrida. Ninguém mais vai querer ir para as corridas – reclama Sandro, que também é proprietário de lojas de motopeças.
Para o presidente da Confederação Brasileira de Motociclismo (CBM), Firmo Alves, a lei que isenta de impostos a compra de motos de competição (Lei Nº 12.649, de 17 de maio de 2012) já está valendo. Ele acredita que se os pilotos entrarem na justiça, terão suas motocicletas de volta.
– A lei de isenção para compra de produtos esportivos foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2012. O Artigo 9 diz que “Até 31 de dezembro de 2015, é concedida isenção do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados incidentes na importação de equipamentos ou materiais esportivos destinados às competições, ao treinamento e à preparação de atletas e equipes brasileiras”. Então, eu entendo que todos os materiais e equipamentos esportivos importados desde então, desde o dia 17 de maio de 2012, já NÃO são mais produtos de contrabando – afirma Alves.
Em outros países, como na vizinha Venezuela, lei semelhante já está em vigor para compras de motocicletas 2015, conforme comunicado da Federação Motociclista Venezuelana, emitido dia 15 de julho de 2014. Lá, conforme o texto da própria FMV, isto se deu depois de uma ação conjunta da federação com o Ministério do Comércio, INTT (equivalente a ANTT) e as empresas representantes da Yamaha, Suzuki, Kawasaki, KTM e Husqvarna.
Entenda um pouco mais da tal lei de isenção
O advogado Enrico Bastos Bianco, de Orleans, Santa Catarina, é especialista em Direito Tributário. Ele explicou ao BRMX alguns pontos da Lei 12.649.
– Em teoria, as motocicletas de competição foram favorecidas pela isenção. O que importa é que o atleta participe de competições mundiais ou nacionais com o equipamento. Mesmo assim eu não ficaria muito contente com a suposta isenção. O diabo está nos detalhes – diz Enrico.
– A lei cria diferenciações inaceitáveis entre desportistas, mesmo entre aqueles filiados ao COB. Não beneficia o comércio nacional desses equipamentos para amadores, jovens e crianças. Colégios particulares também ficaram de fora. É obrigatório que NÃO haja similar nacional para que o produto seja importado. Se houver, há somente isenção de IPI. E somente para aqueles que são filiados a confederações – diz.
– Para variar – continua o advogado, – não se tomou cuidado com a clareza do texto. Não foram contempladas as competições colegiais, municipais, estaduais e regionais. Essas competições menores, que são o verdadeiro berço do esporte, foram solenemente ignoradas pelo congresso nacional. Uma lástima – emenda.
– O art. 9º consegue piorar o que já é ruim. Na ânsia de evitar que qualquer um possa ganhar dinheiro com os equipamentos olímpicos, o congresso estipulou que somente serão beneficiados “os órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações, os atletas das modalidades olímpicas e paraolímpicas e os das competições mundiais, o Comitê Olímpico Brasileiro – COB e o Comitê Paraolímpico Brasileiro – CPB, bem como as entidades nacionais de administração do desporto que lhes sejam filiadas ou vinculadas” – comenta.
– Enfim, se o atleta está começando a praticar o esporte e não possui filiação alguma ao comitê, esqueça. Não vai poder importar nada. Também não se imagine que repentinamente equipamentos para o esporte se tornarão mais baratos. Se uma loja ou importadora especializada tiver a vontade de importar esses produtos e oferecer aos seus clientes que são atletas, também deve esquecer, o governo está se lixando para o esporte amador ou equiparado. O mesmo vale para os produtos nacionais – esclarece.
– Ademais, é necessário o aval do Ministério do Esporte. Lá o atleta brasileiro vai encontrar o “Plano Brasil Medalhas”, que não alberga Motocross, claro. O negócio é medalhas para ficar entre os 10 primeiros, segundo o Ministro Aldo (Rebelo). Nada ali parece fazer muito sentido, mas fucei de curioso. Existem alguns formulários para preencher, com descrição do produto e valor, mas parece que o programa é voltado para pedir ao Ministério os equipamentos e não para a isenção. Talvez as fábricas brasileiras tenham se informado melhor com a Receita e o Ministério. Isso porque há sempre duas formas de se fazer algo no direito tributário. O jeito certo, e o jeito da Receita. O último é mais caro, funciona e todos aprendem rápido – insinua.
– A lei alijou a norma tributária no sujeito passivo, excluindo os atletas e comitês da obrigatoriedade de pagar o imposto de importação e IPI. Excetuou, entretanto, somente os produtos destinados às competições esportivas citadas. É isso que isenções são: Exceções à norma tributária (Regra-matriz). Motos de competição são equipamentos esportivos e pilotos são atletas. Pode parecer óbvio, mas só vale se o Ministério do Esporte concordar – conclui.
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