Wellington Valadares, 48 anos, conheceu o “céu e o inferno” diversas vezes. Caiu e levantou. Aguentou as porradas da vida. E hoje é um dos empresários mais bem-sucedidos do ramo de esportes off-road sobre duas rodas. É o proprietário da IMS Race Waer.
O BRMX sentou frente a frente com Valadares no dia 25 de maio, durante a segunda etapa do Brasileiro de Motocross 2013. Conversamos dentro da carreta-box da Honda, em Três lagoas, Mato Grosso do Sul.
A intenção do bate-papo era elencar as três maiores corridas da carreira dele, campeão brasileiro na MX3 em 1999. Mas o papo se estendeu e perambulamos por diversas histórias de superação, que contam um pouco da trajetória de Valadares como piloto e empresário.
Tudo decolou pela primeira vez em 1982, em Brasília, Distrito Federal, onde ele cresceu. Neste ano, WV conta que ganhou sua primeira corrida de motocross e apareceu na capa do Correio Brasiliense – respeitado jornal do Brasil -, o que fez seu pai se empolgar e o incentivar para correr motocross. Por isso, essa foi definida como a corrida mais importante.
Mas a história começa um pouco antes.
Wellington trabalhava como mecânico de um piloto local. Seu pai tinha uma oficina de carros e o garoto Wellington também trabalhava lá. Eis que teve uma etapa do Brasileiro de Motocross em Brasília e, como qualquer fã do esporte naquela época, Wellington queria ver Moronguinho, Roberto Boettcher, Paraguaio e toda aquela turma. E queria ver de perto, no box.
– Eu não podia entrar no box porque não tinha credencial. A minha credencial, que seria de mecânico do cara, ele tinha dado pra namorada dele e me deixado sem credencial, do lado de fora. Aí que surgiu a ideia: vamos começar a correr pra poder ter credencial e ver esses caras de perto.
– Se eu tinha feito uma moto pro cara, moto boa, e ele ganhava tudo, podia fazer uma pra mim. Aí fiz uma moto pra mim e ganhei a prova (aquela de 1982, da capa do jornal). Meu pai se empolgou e começou a me dar uma mão. Mas a gente tinha dificuldade financeira para eu ir para a DT 180 (andava de TT 125).
O tempo passou e veio a proposta de correr no Acre. Seu mecânico havia se mudado para lá, para trabalhar em uma concessionária Yamaha, e falou para os donos da loja que, para vencer o piloto local da Honda, existia um cara bom em Brasília.
– Ele me ligou pedindo se eu tinha coragem de ir. Falei que sim. E fui. Morei um tempo no Acre. Fiquei uns seis meses e quebrei o braço – relembra Valadares.
– Quando eu voltei do Acre, tive que retomar o campeonato brasiliense para recuperar os patrocínios. Me ofereceram uma XL pra andar. Aceitei o desafio, mas era quase impossível ser campeão porque o líder estava muito na frente – lembra, elencando aí a segunda corrida mais marcante.
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– Aí, infelizmente, o cara quebrou a clavícula na sexta-feira. Esse cara então contratou o Moratto de Belo Horizonte, que tinha dois pilotos, pra correr em Brasília e não deixar eu ganhar a prova. E tinha um cara da cidade que também era bom, e ele disse que faria a prova dele, sem ajudar ninguém. Eu falei: “beleza, só quero isso mesmo”.
– Fomos pra corrida e, com cinco minutos de prova furou o pneu da minha moto. Mas eu consegui chegar em terceiro e ser campeão mesmo assim. Foi bem legal. Trouxeram um monte de gente e mesmo assim eu consegui – comemora.
Único período como profissional
Em 1987, Valadares deixou tudo para se dedicar exclusivamente ao motocross. Se mudou para São Paulo a fim de alçar voos maiores no campeonato paulista.
– Vendi meu carro, fui pros Estados Unidos, fiz um curso de dez dias, voltei, fui pra São Paulo e briguei entre os cinco, que era meu objetivo. Totalmente privado. Tinha que cozinhar, lavar a moto, lavar minha roupa, chorar de saudade da minha mãe e ir para as corridas sem dinheiro mesmo – conta.
– Eu não fazia o Hollywood porque não tinha grana pra isso. Fazia só o Brasileiro. Eu andava entre os cinco, só que os cinco eram pilotos de equipe de fábrica e além deles tinha mais uns cinco fortes, também de fábrica. E eu só com uma moto conseguia brigar. Então, depois de boas corridas, a Yamaha me contratou – diz.
Só que a vida jogou Wellington pra baixo:
– Quebrei o braço feio, tive que fazer duas cirurgias, fiquei oito meses com gesso. Quebrei metacarpo, radio, escafóide e ulna, todos juntos. Além disso, o menino que eu estava ensinando mexer na minha moto atropelou um cavalo em Indaiatuba e morreu. Aí eu dei uma pirada e parei de correr. Voltei pra Brasília, trabalhei na oficina do meu pai. Casei logo depois, em 1990 – rememora.
No ano de seu casamento, Kurt Feichtenberger, dirigente da Federação Goiana de Motociclismo, pediu para que voltasse ao campeonato estadual.
– Eu estava precisando de grana porque minha filha tinha nascido e o que eu ganhava com meu pai era pouco. Pensei: de repente, ganhando umas provinhas, dá pra dar uma complementada.
O dono da Pepsi Cola de Goiânia, junto com Feichtenberger, marcou uma reunião com Valadares. Eles queriam implementar o campeonato.
– Aí, em 1991, voltei a correr. Ganhei o Goiano de 91, 92 e 93. Em 92 o pessoal da CBM me ligou que ia ter um Brasileiro em Rondônia, com passagem paga e tudo mais. Eu não estava muito afim de ir, mas fui. Fiz segundo lugar e me empolguei de novo.
As coisas iam bem até a loja de peças de Valadares falir. Ele já tinha duas filhas e pensou: o único jeito de eu conseguir sustentar as minhas filhas é se eu correr o campeonato de São Paulo. Vou nas provinhas, (que tinham 200 motos enquanto em Goiânia tinham 20), ganho um dinheirinho vendendo peças e recomeço.
– Em 1995 voltei pra São Paulo pra poder vender peças e correr. Eu não tinha moto pra andar. E foi aí que começou minha amizade com o Cristiano (Lopes). Ele não estava andando de 125, mas tinha uma moto velha da Honda lá e me disse pra pegar. “Tira os adesivos e vai nela”, ele disse.
– Eu fui e briguei com o Chumbo a prova inteira. Liderei a prova e, faltando três voltas, o Chumbo me passou, deu uma pedrada que quebrou meu nariz e eu terminei em segundo. Aí a Honda, o (Wilson) Yasuda, disse que ia me dar um apoio. E eu já sonhei. Imagina só, não tinha dinheiro nem pra botar gasolina. Aí a força ficou numa moto só, mas que me ajudou. Corri alguns anos. Só que depois parei de novo – relembra.
Antes de parar, Valadares viveu uma das corridas mais emocionantes de sua vida. Outra vez um Brasileiro de Motocross em Rondônia, no ano de 1996.
– O caminhão que estava levando as motos capotou. E todos os outros pilotos tinham quatro motos, mas adivinha qual que caiu no asfalto e empenou toda? A minha.
– Passei o sábado triste no box, desentortando a moto. Yasuda passou lá no box e disse que ia me dar uma moto nova. Eu falei pra ele: “não precisa uma moto nova. Preciso um câmbio e um cilindro”. Ele disse que ia dar uma moto nova e a gente ficou ali, debatendo, eu dizendo que precisava um cilindro e ele falando em moto nova.
– À noite estava com o Cristiano, passeando na praça, e ele nos chamou pra jantar. Começou o mesmo papo, e eu falando câmbio, batendo nessa tecla porque eu achava que o câmbio não aguentaria a prova toda.
– Com o câmbio velho, larguei. Calor de 40 graus. Prova de 45 minutos. Estava brigando com Paulinho (Stedile) e Rafael (Ramos), na frente deles, mas faltando 100 metros pra receber a bandeirada quebrou o câmbio. Fiquei com tanta raiva, mas tanta raiva, que eu catei a balança da moto, botei nas costas e recebi a bandeirada, em uma subida, com a moto nas costas.
A volta, o título na MX3 e a IMS
O novo regresso às pistas aconteceu em 1999 para correr na recém-criada categoria MX3 do Brasileiro de Motocross.
– Eu tinha um amigo que andava enduro e eles inventaram a MX3. Falei pra ele: “pego a sua moto, dou um trato nela, e você faz as suas trilhas. Quero ela só na semana do Brasileiro. E eu consegui ser campeão brasileiro com aquela moto, uma YZ 400. E estou nessa até hoje. Corro um ano e fico dois parado – explica.
– Em 2000 parei e montei uma equipe satélite com apoio da Honda. Fiquei 2000 e 2001. Aí o Yasuda me cobrou para voltar a correr e em 2001 eu corri um Brasileiro em Jundiaí. Peguei a moto do pai do Rafael Fonseca emprestada. Uma 125. Larguei e terminei em segundo. Perdi pro Cassio (Garcia). E aí o Yasuda me deu uma moto pra correr em 2002. Fui campeão paulista e vice brasileiro. Em 2003 achei que teria um esquema legal, mas não deu em nada e eu parei de correr de novo – relembra.
– Voltei em 2007 e machuquei o joelho. Aí voltei em 2010 pra correr a Superliga e fui campeão. 2011 fiquei fora e corri em 2012, briguei com o Chumbo. E agora estou parado de novo.
E a IMS?
– A IMS nasceu depois de muita batalha. Comecei comprando calça de outras marcas e revendendo. Depois de muito vai e vem, de coisas que deram certo e outras que deram errado, fiz um esquema com a Bieffe. Eles me vendiam 100 calças deles mas com a minha marca (WV), e eu vendia. E comecei a vender mais a calça WV do que eles vendiam a Bieffe.
– Depois de um tempo eles pararam, não quiseram mais mexer com isso e me venderam as máquinas de costura e eu comecei a produzir, em Indaiatuba, 2005. Assim nasceu a IMS.
– Em 2006 agregamos a distribuição da Polisports, o que acrescentou muita informação técnica também. Agradeço imensamente também aos atletas que acreditaram e me ajudaram quando a roupa era bem feia. Eu sei que era. Eu até achava bonita, mas os lojistas falavam que era feia demais. Mas foi dez, cara! Foi dez!
– Depois veio a Pro Tape, Vertex, Atlas, e hoje estamos vendendo bem no Brasil inteiro. Exportamos para Portugal e já estamos mandando pra Flórida (EUA). Temos tudo, de meia a capacete – explica.
Além de todas as obrigações como proprietário da marca, Wellington chefia a equipe Honda Mobil em 2013, que neste ano passou a ser “terceirizada”.
– Hoje minha preocupação, nas equipes, é que os pilotos estejam felizes. Eles têm tudo que eu nunca tive. Têm a melhor motocicleta, tem condição financeira, não falta nada. Não meço esforços para dar tudo do bom e do melhor. Se o cara tá feliz, fazendo o que mais gosta, vai render. Tem que estar feliz. Com toda a minha dificuldade, quando eu estava em cima da moto eu rendia coisas inacreditáveis – finaliza.