Era difícil encontrar um otimista convicto de que o Brasil poderia ficar entre os dez melhores em uma competição mundial como o International Six Days Enduro – ISDE. Pelo menos até o dia 2 de setembro de 2017, que ficará marcado para sempre com o melhor resultado – 8º lugar – de uma equipe tupiniquim neste que é o principal evento do mundo na modalidade.
Bruno Crivilin, Rômulo Bottrel, Diego Colett e Gustavo Pellin entram para a história como pilotos. Maurício Brandão, Guto Constantino e sua esposa Dani, Janjão Santiago, Sergio Colett, Flavio Pellin, Kalinca Pellin e seu irmão Pepe, serão lembrados para sempre como as peças fundamentais nos bastidores – em solo francês – para que a conquista se tornasse possível.
O resultado histórico vem acompanhado de uma recente valorização do enduro brasileiro. Um campeonato nacional que cresce a cada ano com organização dos clubes locais sob supervisão de Mauricio Brandão – diretor de Enduro da CBM -, participação de pilotos estrangeiros, surgimento de novos talentos, comunicação ativa com a imprensa, entre outros detalhes que fazem a diferença.
Mauricio Brandão, aliás, tem responsabilidade sobre muitos aspectos nesta evolução. Depois que vendeu sua empresa, usou 2017, seu “ano sabático”, para se dedicar ao esporte. Deixou a presidência da Federação Mineira de Motociclismo para poder cuidar do Brasileiro de Enduro FIM.
O BRMX entrevistou Brandão para falar desta fase positiva e contar detalhes da conquista no ISDE. Confira!
BRMX: O enduro abre cada vez mais espaço e ganha mais adeptos. Cresce em meio a crise. A que se deve este feito?
Mauricio Brandão: Com o esforço de todos, conseguiu se sobressair. As equipes, organizadores, a essência das provas é dos clubes. Eu dou a supervisão. Aproveitamos as lideranças locais. Tem funcionado muito bem. Com este esforço, superando crise, em relação as outras modalidades, o enduro não sofreu tanto impacto.
BRMX: Estamos perto do fim da temporada do Brasileiro de Enduro. Parece ter sido um bom campeonato…
Mauricio Brandão: Estamos na sexta rodada, a penúltima, que acontece neste fim de semana, em Araxá, Minas Gerais. A final será em Farroupilha, no Rio Grande do Sul. E com certeza este ano é o melhor da história. A prova disso é o resultado do Six Days.
BRMX: O Six Days foi histórico mesmo. Conte um pouco dos bastidores da conquista?
Mauricio Brandão: Pela primeira vez, os quatro pilotos brasileiros completaram. No Six Days se soma o tempo de cada um, totalizando o tempo do país. Se um piloto tem um resultado muito ruim, vai prejudicar muito a equipe. E não tem descarte. Por isso é tão difícil alcançar um resultado tão expressivo. Nem equipes fortíssimas, como os Estados Unidos, por exemplo, conseguiram completar neste ano.
BRMX: O resultado histórico era esperado?
Mauricio Brandão: Sinceramente, no início não. Nem nas melhores possibilidades se imaginava uma classificação tão expressiva. De 19 países, ficamos em 8º. Ganhamos de alguns que não seria normal ganhar. Claro que alguns quebraram, mas isso faz parte do enduro. E nós também passamos por muitas dificuldades. Teve dia que o Bruno, machucado, não conseguiu trocar o pneu da moto (no Six Days, só os pilotos podem fazer manutenção na moto), por exemplo. Nos superamos.
BRMX: Há 14 anos o Brasil não tinha um time. Por que neste ano deu certo?
Mauricio Brandão: Primeiro foi formado uma equipe para disputar como clube. Talvez seja importante explicar que no Six Days você pode competir como clube ou como país. Mas, o Nilsen (Bueno) não pôde mais ir e o pessoal da Orange quis entrar com dois pilotos. Aí viramos país, com dois da Orange (Crivilin e Bottrel) e dois da Sacramento (Colett e Pellin). Mas, importante dizer também, que cada um colaborou para que isso acontecesse. As equipes e os próprios pilotos bancaram a ida da seleção brasileira.
BRMX: Interessante esta soma de esforços de equipes “rivais” no campeonato nacional.
Mauricio Brandão: Sim, muito bom para o esporte. E cada piloto também tinha sua ambição pessoal, mas lá, na hora, se formou um espírito de equipe muito grande e todos se dedicaram muito. Foi lá, a partir do segundo dia, que viram que era possível chegar na final. Mesmo o Bruno e o Diego machucados, tiraram forças que não tinham para a equipe se sair bem. O Pellin quebrou o dedo, tomou remédio, fez uma tala e foi em frente. Trabalhamos com a menor equipe do Six Days. Éramos três pessoas para dar suporte mais o Janjão na comunicação, e os pilotos. A estrutura dos outros times era gigante. A do Chile, que sedia a competição no ano que vem, era enorme.
BRMX: O Brasil tem condições de estar no Chile em 2018?
Mauricio Brandão: Voltamos da França empolgados. É viável montar uma equipe que represente o Brasil no Chile sim. Basta as equipes se prepararem para isso. Tem que ter orçamento, ter disposição. A escolha dos pilotos levará diversos fatores em consideração. Se o líder do campeonato brasileiro é apto a ir, se é brasileiro, tem como bancar, então vai. A CBM tá fazendo um campeonato brasileiro bom, mas ainda não tem verba suficiente para bancar o time no Six Days. O recurso é escasso. Temos que priorizar o nacional, melhorar ele, mas tudo tem custo. Mas a ideia é, sim, ir para o Chile. E, se possível, levar ainda uma equipe Júnior (pilotos 23 anos de idade ou menos) e uma para a categoria Feminina.
A perspectiva é de crescimento para o enduro brasileiro?
Mauricio Brandão: Sim. Estou dedicado a isso, como Diretor de Enduro da CBM. Optei por ficar fora da federação pra me dedicar ao enduro. E deu resultado. Este ano é especial porque vendi a minha empresa e estou dedicado em tempo integral ao enduro. O que eu quero é ver se é viável me dedicar exclusivamente a isso, promover um campeonato de enduro de alto nível.
BRMX: O que falta para o campeonato ser “ideal”?
Mauricio Brandão: Alguns detalhes como uma cronometragem mais rápida, pra ter os resultados online, em um app. Isso está na iminência de acontecer, mas requer recursos. Uma estrutura de paddock mais padronizada, para dar um padrão ao campeonato. Vistoria prévia com mais antecedência para evitar problemas, como chegar um mês antes na cidade, fazer uma vistoria da corrida, para no fim de semana da prova ter apenas coisas menores para ajustar. E poder dar uma melhor retaguarda pro organizador local. Estamos caminhando para isso.
BRMX: Quantos participantes, em média, participam de cada rodada do Brasileiro de Enduro FIM?
Mauricio Brandão: Em média, entre locais, outros que fazem os estaduais, 120 participantes. Teve prova com 150, outras com 80, mas na média cerca de 120. Mas o mais interessante é o público tem acompanhado. O piloto, trilheiro da região, vai ver o ídolo andar. Diminui piloto no grid mas dá prestígio. E é o mercado comprador. É o que as marcas querem. Este que vai olhar é o consumidor das marcas que patrocinam o campeonato e as equipes.
BRMX: Quais as marcas envolvidas no campeonato deste ano?
Mauricio Brandão: Tem três fabricantes com equipes no campeonato. Honda (Honda Oficial, Zanol Team, Moto Litoral e a Moto Field), Sherco, e a KTM com duas oficiais (Sacramento e Orange), mas tem outras equipes particulares com diversas marcas envolvidas. Em termos de patrocinadores, a ASW e a Rinaldi são os dois maiores, e temos também a KTM Sacramento, Orange BH KTM, Edgers, MRPro e Zanol Parts. E a conversa para o ano que vem é boa, animadora.
BRMX: A última pergunta é sobre a participação dos gringos no campeonato brasileiro. Qual a sua opinião?
Mauricio Brandão: O intercâmbio puxa o nível pra cima, faz o piloto brasileiro evoluir, força um treinamento e uma dedicação maior do piloto brasileiro. Aconteceu e o Six Days comprova isso. É positivo, mas temos que ver mecanismos que preservem os pilotos brasileiros. Hoje, quem tem um piloto gringo, tem que ter dois brasileiros. O regulamento do campeonato exige isso e outras questões em relação ao estrangeiros. Mas o intercâmbio é peça chave no crescimento. O brasileiro também precisa ir pra fora, correr em outros campeonatos.