Jean Ramos, 26 anos, está na melhor fase de sua carreira na categoria 450 do motocross brasileiro. Integrante da equipe Yamaha Grupo Geração desde janeiro deste ano, o paranaense foi o único brasileiro a vencer etapa do campeonato nacional (a terceira rodada, válida também pela Copa Brasil MX) e do Arena Cross Brasil (quarta etapa, em Campinas) na categoria MX1. Além disso, venceu uma batalha épica contra seu companheiro de time, o espanhol Carlos Campano, na Superliga Brasil de Motocross, e garantiu o primeiro grande título da temporada.
O caminho para chegar a estes triunfos teve inicio em 2012. Nele Jean encontrou canaletas profundas, buracos enormes, pistas de lama e de poeira, além de horas e horas de treino ao lado do preparador Shaun White, de seu pai (Jonas) e de seu irmão (Juliano). Passou por Escuderia X e IMS Racing, andou de Kawasaki e de Honda. Chegou na Yamaha, somou conhecimento e se colocou no patamar dos melhores pilotos que competem no Brasil. A prova é que está na vice-liderança da sua categoria nos dois principais campeonatos, atrás de Campano no Brasileiro, e atrás de Paulo Alberto no Arena.
Sorridente e brincalhão, Jean tem se mostrado cada vez mais concentrado e focado nos objetivos. Jamais perdeu o bom humor, mas ganhou “sangue nos olhos” durante as corridas. Se antigamente você via o curitibano desistindo de uma batalha, agora você vê ele “invocado”, persistente, determinado. O estilo técnico, de pilotagem leve, continua lá.
Na entrevista a seguir ele conta diversas histórias desta caminhada, que teve até implicância de Julien Bill, baldes e mais baldes de água fria, AMA Supercross, inspiração em Balbi Junior, estudos, abdicações e muito mais. Aproveite!
BRMX: Primeiro gostaria que você comentasse esta sua fase. Você está vice-líder no Arena e no Brasileiro, e é o único brasileiro que ganhou baterias.
Jean Ramos: O trabalho vem sendo intenso desde o ano passado. Comecei o ano muito mal no motocross e tive um pouco de azar no Arena Cross com tombos e acertos de moto (em 2014), e esse ano a gente conseguiu. O fato dos campeonatos terem começado um pouco mais tarde me ajudou porque eu tinha quebrado o braço no AMA Supercross e tinha mudado de moto (da Honda para Yamaha), então no começo do ano a lesão foi tipo um balde de água fria, eu fiquei um pouco nervoso porque eu não sabia se ia dar tempo de me preparar o suficiente, mas depois que eu fui para a abertura da Copa Minas Gerais de Motocross, eu vi que minha velocidade estava boa, faltava me acertar com a moto e na parte física. Mas acho que é o trabalho de um bom tempo que está surgindo agora. Já faz anos que eu venho batendo na trave. Agora acho que consegui colocar minha cabeça no lugar certo e estar bem preparado e ter uma boa equipe por trás e um bom equipamento. Isso que tem feito a diferença este ano. No começo eu ainda estava me batendo um pouco com a moto, principalmente nas pistas mais esburacadas e com canaletas, mas agora já consegui me soltar.
BRMX: Vamos voltar um pouco no tempo. Você foi campeão brasileiro em 2011 na MX2 e aí você foi para aquele projeto da X Motos, e subiu de categoria cedo, foi logo para a 450cc e nem chegou a defender o título da MX2. Isso foi bom?
Jean Ramos: Na verdade eu queria ter ficado na MX2. Tinha feito a pré-temporada de 250cc no AMA Supercross mas, chegando aos Estados Unidos, a Honda acabou comunicando que não iria renovar o contrato, não informando o porquê, só agradeceu pelos anos que eu tinha defendido a Honda, os títulos que eu conquistei. E aquilo foi um baque para mim, para a minha família. Estava nos EUA, era um projeto novo, então ali foi um balde de água fria que virou uma bola de neve e foi me afundando cada vez mais. Eu ia para a pista treinar e não conseguia treinar direito. Era tudo novo, o SX, estar treinando com o Ken Roczen, com o Andrew Short, com esses caras. Andava quatro, cinco voltas e morria, não conseguia andar mais. Minha parte física decaiu muito, mentalmente também estava abalado. Então quando começaram as corridas (do AMA SX), comecei a me animar mais, comecei a me classificar, adquirir experiência e criei mais confiança, e comecei a evoluir. Aí, nesse meio de campeonato, eu estava conversando com a Pro Tork e com a Yamaha, e pintou a chance da X Motos. O Cale Neto (chefe da Escuderia X) acabou me ligando. Ele falou “não é 100%, estou te consultando, mas a próxima vez que eu te ligar é porque talvez dê para fechar alguma coisa”. Nesse meio tempo, a Pro Tork queria que eu andasse para eles nos EUA mas não queria fechar comigo no Brasil. Todo mundo já estava fechado, mas a gente resolveu esperar, ficar de stand by. E de última hora fechamos com a X Motos, e sou muito grato a eles, pois abriram as portas para mim, me deram o maior incentivo. O primeiro ano foi bem difícil. Eu era muito rápido, mas fisicamente eu estava totalmente perdido. Não tive férias e tudo foi virando uma bola de neve. Tive que lidar com isso até que começou o Arena e eu consegui andar melhor. Ganhei uma bateria em Curitiba na abertura, me encontrei novamente com a moto, e ali comecei a andar para frente.
BRMX: Você saiu da Honda 250F para a Kawasaki 450F. É muita mudança…
Jean Ramos: No começo, me batia muito com a Kawasaki. Queria me acertar, só que o acerto estava errado. Depois fui aprendendo que eu precisava de um outro acerto. E para 2013 já comecei direito. O Supercross foi perfeito para mim, comecei andando e treinando muito bem, também gostava muito da moto, e ali foi o meu melhor ano no SX. Mais confortável, conseguimos bons resultados que abriram bastante portas nos EUA, não de patrocínio, mas de desconto. Eu ia na Pro Circuit e como os caras me viam na TV, me davam parabéns e tal. E essas coisas foram se pagando. Este foi o trabalho meu e da X Motos que deu certo. Fizemos um contrato antes, no qual eles se comprometiam em me ajudar no Supercross. Eles cumpriram a palavra deles, eu também vendi quase tudo o que eu tinha para ir pra lá. E 2013 foi muito bom aqui no Brasil também, apesar de que comecei um pouco mal no Arena e no Brasileiro, mas quando encontrei o caminho certo, ganhei em Salvador, mas acabei quebrando o ombro na sequência e perdi o ano todo. No final de 2013, a X Motos estava redesenhando o sistema, e nas últimas etapas do Brasileiro de Motocross eu acabei abandonando uma bateria (em Sorriso, Mato Grosso) porque estava muito cansado e na última etapa andei muito mal. Psicologicamente eu estava abalado, queria estar ganhando e não conseguia, estava correndo atrás de fechar alguma coisa e então apareceu o Wellington Valadares e fechamos para andar na IMS em 2014.
BRMX: Você tentou ir para os EUA novamente, fez o projeto de crowfounding (O Pote), mas não deu certo…
Jean Ramos: Em 2013, quando me machuquei, fiz o projeto para correr o Supercross novamente. Aquilo (de não ter dado certo) foi outro balde de água fria pra mim. Fiquei muito chateado, esperava outro retorno. Muita gente dizia “ah, você está andando bem lá Jean”, e eu esperava que o pessoal tivesse se manifestado mais, que tivesse me ajudado mais e fiquei muito magoado. Depois voltei, os resultados não apareceram, foi bem decepcionante. Aproveitei que não deu certo e peguei umas férias, fui com a minha namorada assistir ao AMA Supercross, passeamos um pouco, voltamos e já de início, no primeiro dia que andei de Honda novamente, me senti confortável com a moto. Era a moto de corrida do Adam (Chatfield) de 2013, (a moto que ele foi campeão). Na pré-temporada 2014, puxei muito a parte física, não conseguia treinar direito de moto, me perdi um pouco nisso. O Paulo Alberto voltou da Europa, eu andava 15 ou 20 minutos e cansava e não treinava direito. Meu pai não estava comigo nessa época, ele estava em Curitiba, e eu tinha me mudado para Indaiatuba. Depois meu pai voltou a morar comigo e com o Hector Assunção, e ali comecei a me centrar mais, pois meu pai me ajuda muito dentro e fora das pistas. Ter a família, meu pai, meu irmão, me ajuda muito! Confio muito neles! A equipe IMS também me ajudou bastante, no começo o Frank (mecânico do Adam) me ajudou (porque o Adam estava fora, machucado). Ele era mecânico do Adam, mas me ajudava ao mesmo tempo, dava bastante toque. Começou o Arena Cross 2014 e ganhei a primeira bateria, fiquei em segundo na outra, empatando com o Carlos Campano. Estava bem preparado, mentalmente estava bem. Quando começou o motocross, eu não me senti bem na moto, não me sentia confortável. Fui muito mal na primeira etapa do Brasileiro, fiz dois oitavos, mas aí comecei a treinar, me sentir melhor na moto. Para a segunda etapa, em Pedra Bonita, eu comecei a andar melhor, mas não estava conseguindo dar 100%. Cansava, não conseguia me concentrar direito, precisava acreditar mais em mim.
BRMX: Existia algum problema que você tinha tanta dificuldade de se focar?
Jean Ramos: Na pré-temporada, o Julien Bill veio para o Brasil. Depois do segundo ou terceiro treino acabamos nos desentendendo. Como a gente morava junto, era um problema porque ele pensava de um jeito e eu de outro. Ele começou a arranjar intriga comigo, e ele era o piloto que precisava ganhar, então a equipe focou nele. Mas ele arranjava picuinha comigo, depois ele arranjou com o time todo, então desestabilizou não só eu, mas a equipe. Foi um começo de ano bem ruim. Era difícil lidar, mas particularmente começou comigo e daí todos pegavam no pé, e depois foi pegando com todo mundo e eles perceberam que o problema não era comigo, mas com ele.
BRMX: O que acontecia?
Jean Ramos: Era problema besta, convívio de casa. Ele não gostava de deixar sujeira, ou louça para lavar depois. Era coisa besta, ele pegava muito no meu pé porque eu falava inglês e o pessoal não falava, e como eu também era da categoria dele, diretamente éramos rivais e ele levava por esse lado. Era bem difícil conviver. Depois, conversando com o Campano, ele me falou que lá na Europa o Julien não conseguia completar um ano, dava seis meses e saía das equipes. E depois da primeira etapa, ele foi muito mal, e daí o pessoal da Honda trouxe o Shaun White (treinador de pilotos) para o Brasil para ajudar ele. Cheguei a conversar um pouco com ele (Shaun), pensei que ele era um amigo do Joaquim (Rodrigues), e ele disse que não, que era personal, que o pai dele era personal do James Stewart, que chegou a morar com o Stewart. Ele veio para ajudar o Julien e o resto da equipe. Treinou um mês o pessoal e com o intervalo da Copa do Mundo (de futebol), o Paulo e o Adam voltaram para a Europa e os brasileiros que ficaram começaram a treinar junto com Shaun. A equipe se uniu mais, o Gustavo Pessoa integrou com a gente, o Wellington Garcia também veio treinar. Então ali foi a diferença de 2014. Todo dia era uma corrida pra nós, íamos para a pista treinar, fazíamos muitas largadas. Entramos no cronograma do Shaun de treinos. Foi um ano muito legal, tanto que na hora de ir embora foi difícil. Viramos uma família, os resultados apareceram. Em Canelinha, ganhei uma bateria. Fisicamente eu estava melhor e depois fomos para Campo Grande, aonde foi um desastre! Caí na primeira bateria, na segunda não me senti bem, estava muito quente. Em Limeira, estava melhor, ganhei a primeira e fiz segundo na outra. Em Santa Maria também andei muito bem. E na última etapa acabei ganhando, numa sequência de provas muito boas. O trabalho que fizemos no meio do ano, a equipe toda, foi o diferencial para o restante do ano.
BRMX: Você vem com o Shaun White desde aquele época? Não parou?
Jean Ramos: Sim, desde aquela época. Ele foi embora no começo de agosto, mas continuamos. No período em que ele esteve aqui, a Honda bancou ele, mas a partir dali, a gente pagava um plano mensal para ele passar o programa e seguirmos à risca. Alimentação, parte física, até treino de moto, ele passa e eu sigo bastante coisa. A partir dali eu comecei a acreditar em mim, sentir melhor fisicamente. Conversando com ele, ele falava muito sobre o Joaquim, que ele era um ótimo piloto, mas mentalmente no Brasil estava muito abalado. Que ele estava correndo com os brasileiros, mas ele já tinha corrido com o McGrath, com os caras. E ele não se lembrava disso, e tinha esquecido que era um bom piloto. Ele falou que conversava com o Joaquim, que olhando eu correr, tinha muita chance de andar lá fora, que era só eu querer. Ele me dizia que eu era fraco mentalmente, que perdia muito a concentração, cometia erros e desconcentrava de vez. E foi trabalhando essas coisas.
BRMX: Este ano, 2015, nova mudança, desta vez para a Yamaha…
Jean Ramos: Quando acabou a Copa Minas Gerais de Motocross (2014), que consegui ser campeão, fui direto para os EUA. Era pra ter três semanas de treinamentos e consegui só duas porque as motos demoraram pra chegar. Fui para a abertura do AMA Supercross animado, sabia que ia conseguir classificar após ver os tempos dos treinos, mas caí nas duas repescagens. Em Anaheim 1 eu estava classificado até a última volta, e cometi um erro. Em Phoenix eu caí nas duas. Em Anaheim 2, que a moto estava do jeito que eu queria, estava começando a caminhar a 100%, e aí acabei caindo e machucando. Foi um erro totalmente meu e custou um mês e meio parado e toda pré-temporada 2015. Então, outro balde de água fria. Por outro lado foi bom porque descansei, fiz uma base na parte física. Voltei ao Brasil, continuei treinando a parte física e depois já estava confortável com a moto (graças aos treinos nos EUA). Hoje posso dizer que estou 100% adaptado com a moto.
BRMX: Agora você já foi campeão da Superliga. Passou a ter aquela confiança que faltava no começo?
Jean Ramos: Realmente faltava um pouco de confiança. Nos treinos eu sempre fui um cara muito rápido, de uma ou duas voltas, faltava transmitir um pouco disso para as corridas. Isso vem com a confiança, de desligar, não pensar que você vai errar ou vai perder ou coisas negativas. Às vezes, eu fico na dúvida, e essa dúvida é que faz a diferença dentro da pista. A parte física também pesa, mas conforme eu vou sentindo dúvida, eu acabo fazendo um pouco mais de força e cansando mais. Essas coisas fazem diferença dentro da pista. É preciso esquecer do resto do mundo, focar só em mim. Ficar ali e falar “vou largar, vou pra cima”. A corrida em que saí muito satisfeito foi Jundiaí, São Paulo, foi de lavar a alma. Na primeira bateria eu andei, posso dizer 100%. Assumi a liderança e o Paulo Alberto não conseguiu se aproximar e eu diminui um pouco o ritmo, fui pra 90%, então acabei perdendo o freio traseiro. Na segunda bateria, eu acreditei em mim, do jeito que vinha passava o pessoal que estava na frente, a pista estava bem técnica e as minhas linhas eram muito boas. São corridas assim que fazem você criar credibilidade e acreditar em você.
BRMX: Hoje temos três pilotos, você, Paulo Alberto e Carlos Campano – sem desmerecer os outros – que estão brigando mais forte pelas três primeiras colocações. O fato de você ser esse cara, o brasileiro que está disputando com os dois estrangeiros, ajuda a dar moral? Você leva isso em consideração?
Jean Ramos: A gente sempre leva, depois das provas, o carinho que vem dos brasileiros, “ah Jean, você tem que ganhar, você está lá, próximo de vencer desses caras”, com certeza, somos brasileiros e queremos ver o Brasil no lugar mais alto do pódio. Eu não boto pressão por ser o brasileiro. Também acho que os outros brasileiros estejam próximos de uma vitória, mas talvez não estejam tão confiantes ou com problemas, iguais eu tive no passado. Eu venho numa boa fase, todo o incentivo é muito bom. Conversando com outros pilotos, às vezes até ficávamos um pouco magoados pela mídia ou o pessoal do box porque idolatram muito os gringos e esquecem os brasileiros. Querendo ou não, eles estavam dominando. Mas acho que está na hora dos brasileiros darem a volta por cima e começarem a vencer de novo. Estamos bem próximo disso. Vejo os patrocinadores me incentivando dizendo “olha Jean, você é o único brasileiro, vamos lá, vamos para cima”. Acho que esse carinho estava faltando, caiu a ficha de todo mundo e estamos caminhando num único caminho.
BRMX: Acho que foi você que conquistou esse prestígio.
Jean Ramos: Com certeza, não só eu, mas o trabalho de uma equipe toda.
BRMX: Quero dizer que você foi buscar, você se colocou no nível deles.
Jean Ramos: Sim, acho que eu abro mão de muita coisa para chegar aonde cheguei. O pessoal fala “você é louco, vai lá (EUA) e gasta todo o teu dinheiro, corre seis provas e volta pra cá”, primeiro que era meu sonho e depois que todo o dinheiro que estou gastando lá, talvez nunca mais veja a cor ou retorno, mas são esses momentos que valem muito mais a pena do que dinheiro. Ontem mesmo estava conversando, não me lembro com quem, que me perguntou sobre isso. Eu disse: “financeiramente eu poderia estar muito melhor, mas vai saber se eu podia estar empregado”. Foram essas coisas que me motivaram, me deram mais combustível para vencer. Também a experiência que vem lá de fora. Eles (gringos) vêm e não mostram para nós. O que está fazendo a diferença dentro da pista, começamos a adquirir agora.
BRMX: Você acha que se não tivessem vindo o Carlos Campano, Paulo Alberto, Adam Chatfield e os outros, teria investido tanto em treinamento? Shaun White, ir para fora, alimentação. Vejo que hoje você está em um nível de dedicação igual ao que os pilotos fazem nos Estados Unidos.
Jean Ramos: Não só eu, mas a molecada de base faz praticamente o que eu faço aqui no Brasil. Então, a vinda do Carlos Campano, dos estrangeiros, mudou o motocross no país. O Campano foi muita referência, o Adam também, com certeza elevaram a outro patamar, mostraram que é possível muitas coisas, cair na largada, recuperar e vencer. Foram nessas coisas, que o brasileiro, por falta de experiência mesmo, sofreu para chegar aonde estamos agora. Estamos muito carentes de motocross no Brasil, para falar a verdade. O Balbi tem muita experiência lá fora, e quando ele voltou ganhava da gente na experiência, na parte física, mental. Me lembro dele em 2009 aqui no Brasil. Ele fez sexto e sétimo numa bateria do Mundial de Motocross. Então mostrou que não é impossível, claro, nem sei dizer o quanto ele deixou para trás para chegar onde chegou, escutei histórias de que ele já vendeu o motorhome, vendeu apartamento, para realizar o sonho. Eu admiro ele muito como piloto profissional. Me espelhei muito nele e até mesmo meu pai falou “olha o Balbi, o Balbi já é mais velho que vocês e está deitando e rolando em cima. Vocês precisam trabalhar mais”. A vinda deles mostrou pra nós que é possível.
BRMX: E talvez mostrou até um caminho…
Jean Ramos: Nós pegamos muitas técnicas do Campano, muitos pontos fortes e fracos. Meu irmão e meu pai estão sempre fora das pistas olhando essas coisas, falando “olha, o Campano faz assim, faz assado”. O Adam é um piloto que é muito experiente em atacar, ele cruza canaleta. Quanto mais destruída a pista, menos experiência a gente têm e mais eles se sobressaem. Nessas coisas que acabamos aprendendo. Se os estrangeiros não tivessem vindo pra cá, a gente estaria tomando 9, 10, 11 segundos dos caras em etapas do Mundial, e no último GP que teve aqui, em 2014, a gente tava tomando 3, 4, 5. A diferença diminuiu. Mas o Mundial vem um final de semana, então é o fim de semana que pode observar os pilotos diferentes que vem com essa experiência de fora. Nos Estados Unidos, no Supercross, eu sentia essa evolução diariamente porque ia treinar e encontrava alguém mais rápido do que eu na pista, e aprendia alguma coisa diferente botando em prática.
BRMX: Você acaba pegando detalhes fora da pista também.
Jean Ramos: No começo, o pessoal falou “ah, ele (Campano) não treina muito de moto e tal”, e eu achava estranho. O problema nosso é que pensamos que quantidade é qualidade. Só que é ao contrário, vale muito mais qualidade do que quantidade. Isso eu aprendi nos EUA e com o Shaun. Você tem que aprender a descansar seu corpo, tem que aprender a hora de saber apertar e a hora de recuar. Não que eu fosse vagabundo e que não fizesse, eu achava que estava fazendo o certo. Meu pai falava “você tem que ir lá e correr 10km”, eu ia lá e corria 10km. “Você tem que pedalar uma hora”, eu pedalava uma hora. Mas para andar de moto, eu andava para trás, estava mais cansado ainda. Então, você tem que saber encaixar as coisas.
BRMX: Sentimos falta dessa experiência no Brasil, né?
Jean Ramos: Somos muito carentes disso. Carente desses profissionais, e muitas vezes somos carentes de ter condições financeiras para bancar, correr atrás dessas coisas. Infelizmente é um esporte caro, muitos pilotos que estão aqui, profissionais, não vêm de uma família rica, vêm de uma família mediana. Minha família nunca foi rica, meu pai sempre se sacrificou. Eu e meu irmão chegamos a dividir moto e hoje já construí algumas coisas, já ganhei muita coisa do motocross. Acho que no Brasil nós já tivemos condições, investimentos para sermos melhores do que somos hoje. Infelizmente, estamos passando por uma crise, está difícil para todo mundo, piloto, equipe, multinacional. Então, espero que daqui pra frente a gente consiga encontrar melhores profissionais para organizar os campeonatos, melhores profissionais para ensinar os pilotos. Acredito que daqui uns quinze, vinte anos, possamos começar a pensar em ter um piloto internacional de 60cc, 80cc. A bagagem que eu tenho, daqui uns dois ou três anos, quero estar passando para outro piloto, na pista ensinando e facilitando a vida dele. Meu irmão já faz isso, já tem a escola dele. Então cada vez estamos menos carentes, mas temos um longo caminho até chegar próximo dos europeus e dos americanos.
BRMX: Vejo o Brasil vivendo de ciclos e não temos continuidade nos trabalhos. Tivemos o pico do Moronguinho no fim dos ano 1970, o pico do Rodney Smith nos anos 1980. Depois, no fim dos anos 1990, veio o Anthony Pocoroba e o Chumbinho contratou nutricionista, médico, personal, psicólogo e montou uma equipe em torno dele para vencer o norte-americano. Isso já faz 15 anos e agora temos outro pico, contigo tendo que seguir esta linha para brigar com os caras. Não pode parar. A geração seguinte, do Hector, do Dudu, depois do Moranguinho, do Enzo, do Pepê, precisam continuar evoluindo, puxando o ritmo.
Jean Ramos: É, igual o pessoal fala “ah, o Jean não gosta de gringo e não sei o que… Que os brasileiros não gostam”, eu acho que não é que a gente não gosta, é que os pilotos brasileiros são mal valorizados. E eu acho que tem que ter um Campano, um Adam, um Paulo, um Jetro que esteja andando na frente. Mas a partir do momento que estamos começando a ensinar eles, está no momento de renovar. Está no momento de trazer outros pilotos novos para puxarmos de novo. Hoje se for ver, tem sete gringos e sete brasileiros. E não vemos renovação de pilotos da MX2 subindo para a MX1. O Thales Vilardi subiu essa ano, ano que vem deve subir o Dudu Lima e o Hector, então esperamos esses pilotos terem chances também para cada vez mais aumentarem o número de pilotos na MX1.
BRMX: Ter a chance que você teve?
Jean Ramos: Sim, ter a oportunidade de um bom equipamento para mostrar o potencial deles. Querendo ou não, antigamente, o ano era 90, o cara tinha uma moto 89, ia lá e ganhava a prova. Mas hoje em dia, às vezes a tua moto tem seis meses de uso e você já sofre para ganhar. Ao mesmo tempo que o esporte evoluiu, a tecnologia evoluiu, tudo evoluiu. Nós vemos também os pilotos de categoria de base que têm o mesmo gasto que eu, é um absurdo isso. O pai não pensa, o pai pensa “ah, eu posso, eu vou dar”, mas quando cai na MX2, o cara chora. Você tem que saber também gerenciar a carreira do filho, do piloto.
BRMX: Você acha que atualmente tem as mesmas condições de equipamento e estrutura que o Campano, que é da tua equipe, e do Paulo, que é da equipe rival?
Jean Ramos: Eu acho que sim. Com certeza, estrutura e equipamento sim. Uma coisa que eles têm que é um ponto positivo para eles é que fazem a pré-temporada na Europa. Então eles podem acertar uma suspensão um pouco melhor ou ter um piloto de mundial próximo para você treinar e conseguir melhores condições de se preparar fisicamente e com a moto. Talvez essa seja a diferença deles, mas acho que no momento, hoje em dia, a experiência deles de ter corrido no Mundial, na Europa, conta a favor.
BRMX: Você pensa em ir ao AMA 2016?
Jean Ramos: Eu estou com dois projetos na cabeça e ainda tenho a oportunidade do Supercross. O Travis tem a moto de corrida ainda lá. Antes de eu sair, ele disse “o ano que vem, se você voltar, tem que ser em novembro, para você se preparar e fazermos um trabalho direito. Não adianta voltar em dezembro e em três semanas resolver seu problema, porque não vai resolver.” E o outro projeto é aqui no Brasil, ampliar a escola do meu irmão, começar a dar cursos, passar um pouco da minha experiência no período de férias, aproveitar para descansar e estar ajudando novos pilotos. Estou nesse meio termo, com o dólar alto e o incentivo praticamente zero de patrocinadores, claro, não falando mal que ninguém quer ajudar, mas sabemos que a situação financeira não está fácil, então provavelmente eu fique no Brasil para tentar fazer um bom trabalho.
BRMX: A Yamaha e o Grupo Geração já te ajudou neste, certo?
Jean Ramos: A Geração me liberou e pagou meu salário de janeiro e fevereiro como se eu estivesse no Brasil. Me ajudaram bastante. O prêmio que eu ganhei de campeão na Copa Minas, mais um dinheiro que eu ganhei, foi todo, torrei no Supercross. Meu sonho era ficar o ano inteiro, vindo de viagem eu estava conversando com o meu irmão e acredito que 2013 foi um ano muito bom, acredito que se eu tivesse ficado lá, talvez tivesse feito um ano inteiro, ou um ano e meio e com os resultados que estava tendo, talvez alguma porta abrisse lá fora, mas a esperança é a última que morre, a gente nunca sabe o dia de amanhã. Sempre pode aparecer alguém e falar “Jean, você quer ir para os Estados Unidos? Vou te bancar”.
BRMX: Se você tiver uma estrutura boa para andar lá, você acha que tem condições de andar como? Em termos de posições, classificar em todas, ou melhor que isso…
Jean Ramos: Depende muito, são três fatores! Equipamento, como o piloto está mentalmente e fisicamente, e a pré-temporada. São os principais fatores, tanto lá fora quanto aqui. Se eu tivesse um bom equipamento, não precisaria ser oficial, e um bom tempo para me preparar, final de outubro ou começo de novembro para me preparar para o AMA Supercross, eu acredito que teria condições de andar entre os 15 e no Motocross entre os 20. Assim, no primeiro ano. Com certeza teria condições de ser muito melhor, mas eu sei que é muito difícil. Nunca tive a experiência de correr no AMA Motocross, mas não posso falar que andaria entre os 10 facilmente e chegar na hora e mal classificar. Então, os resultados, igual o Balbi teve lá, temos que tirar o chapéu e dar parabéns porque é muito difícil mesmo, não é fácil como vemos na TV.
BRMX: Esse ano tem o Motocross das Nações, você já foi né…
Jean Ramos: Eu fui em 2008, mas não andei. Era na Inglaterra, em Donington Park. Foram o Leandro, o Balbi e o Wellington.
BRMX: Seu primeiro Nações então neste ano. O que esperar? O que te agrada? É um sonho?
Jean Ramos: Com certeza é um sonho de participar do evento! Eu fui em 2008 para assistir e já foi um sonho realizado para mim, foi meu primeiro contato internacional, ver os outros pilotos andando. É outro nível. Quero dar meu melhor e espero que o Thales consiga dar o melhor, o Fabinho também. Que seja um dos primeiros países a ser escolhido e classificar. Se for classificar, para mim já é uma vitória, como se tivesse ganhado o Nações. Venho numa boa fase, não vai ser nada fácil, a pista é bem técnica, subidas e descidas, já conhecia a pista porque já tinha assistido pela TV em 2005 o Nações lá.
BRMX: O Thales está com o ombro ainda em recuperação.
Jean Ramos: É, tem um bom tempo para ele conseguir recuperar. O Fabinho também vem de uma fratura mas é um piloto muito técnico, “raçudo”. Então é torcer para não ter azar e fazer boas largadas e dar nosso melhor. Ouvi muito nos Estados Unidos a frase “have fun” (se divirta)! A gente tem que se divertir, a partir do momento que nos divertirmos, vamos estar mais próximos de uma classificação. Não precisa estar naquela pressão, que “estou representando o Brasil e tenho que fazer 100%, fazer loucura”, tem que ir lá e se divertir e fazer o que gosta. A partir desse momento, não tem salário ou dinheiro que pague. Se conseguirmos fazer isso, teremos um bom resultado.
BRMX: Queria voltar um pouco no lance de ter um treinador, tem o Shaun White, tem o seu irmão que queira ou não, é seu treinador. É a primeira vez que você tem um treinador?
Jean Ramos: Não, eu comecei a trabalhar em 2013 com o meu primeiro personal. Foi o Everton, que trabalhou com o Scott Simon, com o Rodrigo Selhorst. Tive que mudar para Indaiatuba, mas ele me passava as planilhas de treinamento. O trabalho com ele foi fundamental, ele fez uma boa base, me fortaleceu. E o Shaun foi a “cereja do bolo”, uma pós graduação. A gente tem que se dedicar de corpo e alma, a gente trabalha duro, é igual a um trabalho. Às vezes estou em casa e a família compra pizza e não posso comer. Uma vez ou outra você dá uma fugidinha, não fala pra ele, mas quanto mais regrado você é, mais benefícios vai ter.
BRMX: É fundamental o cara ter um treinador?
Jean Ramos: Acho que é fundamental por questão mental. Muitas vezes você tá cansado e não quer pedalar, mas se o cara mandou você pedalar, você pensa “putz, se eu não for pedalar, ferrou porque um outro cara vai pedalar”. Você não fica pensando no que tem que fazer, o cara passa e você faz. Se o cara fala “hoje você tem que ir lá e trepar no muro”, você vai lá e trepa no muro. “Hoje tem que pular corda e não sei o que”, então você vai lá e pula corda e não sei o que… E tem dias que você tá morto, acha que o cara vai te matar, mas ele pega mais leve. Assim como tem semanas que são mais puxadas. Tem menos obrigação. Antigamente eu tinha muita cobrança do meu pai em casa, porque ele é 100% motocross, 24 horas motocross e eu quero desligar um pouco. Até estava falando com o Shaun, temos que ter uma vida fora do motocross, isso ajuda muito e a partir do momento em que comecei a trabalhar com o Everton e o Shaun, meu pai parou um pouco com a cobrança. Ele fala “você tem que melhorar fisicamente, fala com seu personal como você está se sentindo”, mas parou com aquelas “que você ficou em casa tal dia, que você não fez isso, não fez aquilo”. Pai é pai. São essas pequenas coisas que fazem a diferença. O pessoal fala que é coisa besta, mas você está em ritmo de treino tão intenso, tão estressado, que se o cara te cutucar na costela, você quer matar o cara. É tipo uma mulher de TPM (risos). Infelizmente, tem dias que chega ao extremo mesmo.
BRMX: Como é a sua rotina? Acorda cedo?
Jean Ramos: Normalmente 8h30, 9h estou de pé quando não tem treino de moto. Se tem, 6h45 já estou levantando, tomando café e arrumando as coisas para sair para a pista. O treino em Curitiba está intenso e o meu irmão tem que dar aula de tarde para os moleques. Então, preciso agilizar o meu dia e o dele.
BRMX: São coisas que você que decide? Não é seu treinador?
Jean Ramos: O treino de moto ele passa, a gente fala “vamos fazer quatro vezes na semana o treino de moto”, às vezes ele passa “hoje é o treino endurance (resistência)”, que é o mais longo com baterias de meia hora. Aí tem dia que é treino de tiro, tem vezes que ele passa mas eu faço a parte técnica só. Mas tento seguir o máximo.
BRMX: O horário de acordar não é ele que determina?
Jean Ramos: Não, tem dias que tenho três períodos de treino. Moto, depois tem a parte física e no final da tarde pedalar ou natação. Então você tem que saber, já treinar, almoçar, descansar, preparar as coisas, às vezes você faz a corrida a pé e já tem que fazer a natação. Ou tem que ir ao banco ver alguma coisa, tem que ir se encaixando. Mas normalmente ele sempre pede um bom descanso. Treinou, descansa uma hora ou uma hora e meia e vai fazer a outra atividade. Ou às vezes é só um período, depende muito do dia.
BRMX: E à noite descansa…
Jean Ramos: É, à noite descansa, conversa com a namorada pelo WhatsApp.
BRMX: As suas refeições são diferentes das refeições da sua família?
Jean Ramos: Não, só o almoço. A gente acaba fazendo um preparado, mistura quinoa, feijão, atum, algumas coisas. E a janta é normal, no café da manhã como cereais, após os treinos como nuts (sementes), banana. Não foge muito, só o almoço que é bem diferente e no começo passa bastante fome (risos). Eu e o Hector começamos no mesmo tempo, um ficava olhando pro outro e falava “você não vai comer só isso, não”. No começo foi mais fácil porque tinha o Hector, tinha o Gustavo Pessoa junto, que tinham que fazer a mesma coisa.
*Entrevista feita com colaboração de Carol Sarto