Você se lembra do tempo livre que tinha aos 15 anos? Lembra de ir a festas com seus amigos, gastar tardes em frente à TV, participar de viagens da escola, curtir aniversários dos colegas na adolescência?
Enzo Lopes sente falta disso. Com 15 anos completos no último dia 16 de agosto, ele perde esse tipo de evento com frequência. Mas tem MUITA consciência que é parte do sacrifício que precisa fazer para alcançar seu maior objetivo na vida: ganhar o Mundial de Motocross e o AMA Motocross.
– Meu maior sonho é fazer como o (Ken) Roczen. Ganhar o Mundial e depois ganhar o AMA – deseja alto.
O BRMX acompanhou 24 horas na rotina da maior promessa do motocross brasileiro. A Família Lopes abriu as portas de sua casa nos dias 22 e 23 de agosto para que pudéssemos conversar, fotografar e entender um pouco mais da vida do brasileiro que caiu nas graças de Stefan Everts. Chegamos a Lajeado, no Rio Grande do Sul, por volta do meio-dia de uma sexta-feira de calor. Fomos gentilmente recebidos com um almoço saboroso e conversa sobre motocross, obviamente.
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Fotos da família com pilotos como Chad Reed, Ryan Villopoto, Travis Pastrana, Adam Cianciarulo, entre outros, enfeitam as paredes da casa. A primeira bicicleta de Enzo também está lá. Revistas de motocross estão à disposição dos visitantes. Placas e alguns troféus enfeitam a escada que leva até o quarto de Enzo. Lá, bonés da Red Bull (sua patrocinadora), motos em miniatura e a luva de Antonio Cairoli autografada chamam a atenção. É o motocross, sem dúvida, que move a vida de todos no clã Lopes.
Léo Lopes, o pai, é o líder natural, aquele que vislumbrou desde cedo que Enzo poderia ser um grande piloto e orientou o menino desde o princípio. Delaine, a mãe, traz afago, conforto, cuida das peculiaridades pessoais de Enzo. E Alexia, a irmã quatro anos mais velha, estudante de relações internacionais, trabalha com documentos, agendas, passagens, etc, para o irmão e seu staff.
Todos são muito gentis e preocupados com Enzo. Desejam com todas suas forças que ele se torne um campeão mundial. Acreditam que ele pode chegar lá. E lidam diariamente com a linha tênue que divide a vida profissional da vida familiar. Exigir desempenho profissional de um adolescente sem deixar o amor de pais (e irmã) de lado é uma tarefa que Léo, Delaine e Alexia têm cumprido com sapiência.
Enzo é um bom camarada
Enzo Lopes é um bom camarada. Demorou poucos minutos para perder a timidez com a nossa presença. Logo estava fazendo brincadeiras, falando de suas preferências, dizendo que gosta mais do estilo de Dungey do que de Roczen, que admira a técnica de Everts e a garra de Carmichael.
Vestindo uma camiseta da FMF, ele acabava de chegar de mais um dia de aula. Cursa o nono período do ensino fundamental. Tem um pouco de dificuldade em matemática, admite, mas em geral tira notas boas em todas as disciplinas. Quer, a partir do próximo ano, mudar para o sistema de “home school”, no qual pode estudar em casa e fazer testes à distância, podendo assim se dedicar em período integral ao motocross.
– Nos Estados Unidos é assim. Fazendo home school posso treinar de manhã e à tarde – salienta.
A rotina de atleta profissional para alguém como ele, um adolescente, parece pesar em certos momentos. Acorda por volta das 7h para ir para a escola. À tarde tem treino com moto, ou pedalada, ou academia. Se tem corrida no fim de semana, viaja na quinta ou na sexta-feira, perde aulas e provas, que precisa repor na volta, em extra-classe. Se não tem corrida, aos sábados mantém o horário no despertador para pedalar cerca de 40 quilômetros com Leonardo Lizott, seu fiel companheiro nos últimos meses. E assim vai, semana após semana, como se fosse um adulto cumprindo suas obrigações laborais.
Talvez por isso, seu desejo imediato na noite de sexta-feira – depois de posar para as fotos do BRMX à tarde e “matar” um rodízio de pizzas à noite – era ganhar um dia de folga, um domingo qualquer em que pudesse ficar de pernas para o ar, praticando “nadismo”.
– Eu quero um dia de descanso, um dia só pra mim, sem fazer nada – pedia com um sorriso no rosto, brincando com Lizott, que o cobrava para pedalar logo cedo no sábado.
Essas rotinas mais puxadas se intensificaram recentemente. Leonardo Lizott, 20 anos, também piloto, começou a trabalhar com Enzo neste ano e instituiu rotinas mais adequadas de treinos na academia, treinos com moto e pedal, além de ajudar a controlar a alimentação de Enzo, que por costume já se alimenta de forma saudável. Lizott se tornou também uma espécie de irmão mais velho e orientador da promessa. Estão juntos a maior parte do dia.
Neste time ainda está Vitor Hugo Pozzebon, mecânico e padrinho de Enzo, e Sandra Souza, assessora com uma infinidade de tarefas relacionadas a patrocinadores, agendas, marketing e outras questões da carreira de Enzo. Dentro da pista, cabe mais a Léo Lopes (e Vitor) treinar a parte técnica, cobrar os detalhes.
– O Enzo é uma mistura de fatores. Tem talento nato e tem muito trabalho aí também. Mas ele tem estrela – acredita o pai.
Bélgica ou Estados Unidos?
2014 se apresentou como um ano de mudanças e desafios para Enzo. Está deixando as motos pequenas e partindo para as grandes. Ganhou todas as corridas da categoria Júnior (motos pequenas) do Brasileiro de Motocross e do Arena Cross que disputou neste ano, mostrando que está um passo a frente de seus concorrentes com a mesma idade. E faz participações regulares na MX2 (motos grandes) do Brasileiro MX, conseguindo andar inclusive entre os cinco melhores durante mais da metade da última bateria realizada em Canelinha, Santa Catarina.
Há uma semana treinou com uma 250cc quatro-tempos em uma de suas pistas. E deu conta. Girou dois segundos mais rápido que habitualmente gira com sua 150cc dois-tempos, a qual tem utilizado na categoria MX2 do BRMX. Quer subir logo. Quer uma quatro-tempos para as rodadas finais do campeonato. Está com sede de evolução.
Mas a fase é um tanto turbulenta. Às vezes Enzo sucumbe a pressão. Foi assim no Loretta Lynn e no Mundial de Motocross Júnior deste ano. Resultados abaixo do esperado fizeram o piloto aprender que precisa competir calmo para andar bem. No Loretta, tinha expectativa de estar entre os cinco melhores, e no Mundial, havia certeza que classificaria para as finais na categoria 125cc. Mas nada disso aconteceu. Por quê?
– Coloquei tanta pressão em mim mesmo que não consegui render. Queria dar resultado para meus patrocinadores, queria mostrar serviço. Eles me escolheram porque sabem que eu posso dar resultado bom. Alguma coisa bloqueou minha cabeça. Não conseguia pensar em coisas boas. Não fui me divertir. Fui tenso, trêmulo. E daí deu tudo errado – confidencia.
Os maus resultados, principalmente o do Mundial, fizeram com que Enzo escrevesse um e-mail pedindo desculpas a Stefan Everts por não ter apresentado o desempenho esperado, especialmente porque o piloto brasileiro havia passado alguns dias na casa do decacampeão mundial antes das disputas na Bélgica.
Everts enxergou potencial no brasileiro. Acha que ele deve se mudar para a Bélgica e começar a trilhar um caminho no motocross europeu. Está claro que o maior piloto da história do Mundial de Motocross gosta de Enzo. É cada vez mais frequente encontrar fatos que relacionam os dois, como o evento organizado pela Red Bull no próximo mês, no qual Everts dará curso de pilotagem na cidade e na pista do atleta tupiniquim. Enzo parece entender bem que esta é uma oportunidade de ouro.
– Eu viveria na Bélgica. Gostaria de morar lá. Ter o Stefan (Everts) por perto é tudo. E voltaria para o Brasil para fazer algumas corridas. Me imagino fazendo carreira na Europa para depois ir para os Estados Unidos. Mas tudo envolve uma série de questões. Ainda não sei o que farei no ano que vem – diz Enzo.
Why do we fall?
O relógio marcava meia-noite quando sentamos no sofá para conversar “em particular” com Enzo. Cansado, ele respondeu com a mesma simpatia de sempre a poucas questões que serviriam para complementar esta matéria. Algumas das respostas você já leu no texto acima, outras você acompanha abaixo.
BRMX: Como é sua relação com Stefan Everts? Vocês conversam com frequência?
Enzo Lopes: Quando acontece como aconteceu esses dias, que ficamos na casa dele na Bélgica, falamos mais. Mas eu tenho um pouco de vergonha de falar com ele. Aí, quando a gente vai treinar, ele assiste, observa, e depois dá dicas. Um dia treinei mal e fiquei “amoado”, sentado lá num canto. Ele foi lá e me disse que eu não podia ficar assim, que tinha que ficar sempre feliz.
BRMX: O que você não gosta nesta vida de atleta profissional?
Enzo Lopes: (pensa muito) – Não gosto de como está o esporte no Brasil, de como aqui é difícil de as coisas acontecerem. Nos Estados Unidos e na Europa é possível se dar bem, viver disso, ganhar um dinheiro legal. Mas aqui… E não gosto de ficar longe dos amigos. E também canso às vezes da rotina, de treinar, de ir pra academia. Chego a chorar em casa às vezes de tão esgotado.
BRMX: Mas chega a pensar em desistir?
Enzo Lopes: Não. Insista, persista, mas nunca desista. Se eu sofrer agora, vou colher os frutos no futuro.
BRMX: Quem te ensinou a ser assim, persistente, focado?
Enzo Lopes: Meu pai e minha mãe.
BRMX: Você carrega essas frases de “auto ajuda” contigo?
Enzo Lopes: Tem umas frases, e tem um vídeo também que assisto direto. Chama “porque caímos”. Olho esse vídeo e me dá até calafrios. Nas corridas assisto umas cinco vezes. É o melhor vídeo de motivação. Dor é temporária. Se você desistir, é para sempre. Sacrificar aquilo que você é para se tornar aquilo que você vai ser. São frases que carrego comigo. E também gosto muito de uma do Kurt Caselli (piloto de rally que morreu ano passado), que diz “seja lembrado como uma pessoa, não como um piloto”.
BRMX: Você gostava de jogar futebol. Participava até de escolinha. Por que parou?
Enzo Lopes: Eu gostava bastante. Lá pelos dez anos até achava que podia ser profissional. Mas parei porque corria o risco de me machucar jogando bola e prejudicar minha carreira no motocross. Torcer o pé jogando futebol é mais fácil do que correndo motocross.
BRMX: Seus colegas de escola sabem que você é um atleta de alto rendimento?
Enzo Lopes: Não fazem muita ideia. Gostaria que soubessem mais, que valorizassem um pouco mais. Meus colegas acham que quando vou pros EUA, eu vou para a Disney, que vou pra passear. É uma correria gigante, uma pressão enorme, treino e corrida direto.
Galeria de Fotos
Crédito: Mau Haas / BRMX
* Colaboração: Christine Wesendonk