Carlos Augusto Constantino é o personagem do Entrevistão BRMX desta semana.
Diretor comercial do Grupo Orange BH, coordena uma das principais equipes de enduro do Brasil – Orange BH KTM Racing – e uma suntuosa loja das marcas KTM, Kawasaki e Yamaha, na região nobre de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Belo-horizontino, Guto – como é chamado pelos amigos – também é um dos responsáveis pelo retorno da KTM ao Brasil, em 2014, quando auxiliou a Dafra na operação que recolocou a marca austríaca em solo brasileiro.
Entusiasta do esporte, faz questão de ter uma equipe modelo disputando o Brasileiro de Enduro, campeonato que cresceu bastante neste 2017 e que ganha cada vez mais destaque.
Por telefone, Guto atendeu ao BRMX na manhã do dia 6 de setembro para um bate-papo que passou de uma hora.
Convicto de suas palavras, deixou exacerbar sua paixão pelo enduro. Falou dos seus investimentos no off-road, no sonho de ver seu pupilo Bruno Crivilin brilhar no exterior, nas mudanças que a equipe sofrerá em 2018, e muito mais.
Confira!
BRMX: Como começa tua história no motociclismo.
Guto Constantino: Começa em 1991. E começa no enduro de regularidade, com moto emprestada, brincando. Roupa emprestada. Não tinha apoio da família. Meu pai falava que se um filho entrasse com uma moto pela porta, saia direto com moto e tudo pela outra porta. E depois minha vida toda virou moto.
BRMX: O mundo dá voltas mesmo…
GC: Comecei tarde, com 18 anos. Mas quis competir já no primeiro ano. Gostei daquilo demais da conta. Comecei a rodar muito. Já tinha uma namorada, que hoje é minha esposa, e íamos a muitas corridas. Fui para o Enduro da Independência em 1996 e ganhei, estreei ganhando na Novatos, contra mais de 100 pilotos. Fiz 17 Independência consecutivos. Ganhei na Novatos, Júnior, Sênior, Dupla. E aí fui misturando minha vida de competição com a vida profissional.
BRMX: Em que momento começa a loja?
GC: Depois de 15 anos praticando, lá em 2001, montei uma loja de motos porque percebi que era muito difícil comprar uma moto. Chamava os amigos para andar de moto, e consegui colocar muita gente dentro do esporte, mas não tinha uma loja para o cara entrar e comprar uma moto de trilha, nem usada, nem zero. As pessoas queriam comprar e não tinham como. Então abri a primeira loja multimarcas de motos off-road de Belo Horizonte.
BRMX: Quando vira KTM?
GC: Depois da loja, abri uma empresa de importação. Neste momento, começa meu contato com a KTM. Viajava muito para Europa, conhecia muitos pilotos, criei amizades com o pessoal das competições. Fui entendendo que a KTM tinha a cara do Brasil. O estilo de vida KTM. As pessoas gostavam de ver o que eu vestia da KTM, que eu trazia de fora. Vi que tinha um business aí.
Mas a Orange é mais recente…
GC: Quando KTM veio através da Dafra, em 2014, eu ajudei na operação dando informações importantes para eles. Qual moto montar em Manaus, qual estilo de roupa vender no Brasil. Fui passando minha experiência, tudo que eu já sabia por ter anos de vivência nisso. E aí nasce a Orange BH, junto desta operação.
E já nasce uma loja grande…
GC: São quatro mil itens. De uma simples arruela a uma moto de 100 mil reais. Tem tudo. Falo com orgulho, mas com dor no bolso: nenhuma outra loja do mundo tem o showroom que nós temos. Porque temos que ter à pronta entrega. Na Europa, eles têm a facilidade da entrega. O cliente olha o catálogo, pede, dois dias depois vai buscar. Nós temos mais de mil capacetes Airoh em estoque, só pra dar um exemplo. A própria KTM reconhece na Orange BH uma das lojas mais completas do mundo.
A operação da KTM no Brasil já deu certo?
GC: O grande acerto foi montar as motos em Manaus. Ela (KTM) tem o melhor produto, e o mundo inteiro sabe disso, e mais barato. Esta equação, em qualquer coisa que você for vender, de um picolé a uma moto, vai ser bem sucedida. As outras motos são excelentes também, mas a KTM tem uma moto melhor a 5%, 10% mais barato. E a operação da KTM do Brasil vai crescer muito mais.
Logo em seguida do retorno, você monta a equipe…
GC: Eu sou apaixonado pelo enduro. Faz dez anos que acompanho o Mundial de Enduro in loco. Vou a duas, três, quatro etapas por ano. Sempre acompanhei, tive meus momentos de motocross, meus ídolos, mas minha paixão sempre foi o enduro. Nunca pulei uma rampa (risos). E vi que poderia colocar em prática essa minha paixão pelo enduro. Convenci a KTM que era importante acreditarem no projeto. E hoje, no Brasil, têm duas divisões distintas, a Sacramento tem um perfil, a Orange tem outro.
Como funciona a Orange BH KTM Racing?
GC: Todos os pilotos têm contrato, carteira assinada, seguro, salário, nutricionista, psicólogo, fisiologista, academia, furgão, carro rápido, moto, moto reserva, viajam de avião. E quando falo isso não quero menosprezar nenhuma outra equipe, mas é diferente. Só quero fazer o que aprendi com dez anos de Europa, só isso. Quero a plástica, quero o cuidado com os patrocinadores, por isso tem assessoria de imprensa, tem o Janjão (assessor de imprensa) fulltime conosco. Encontro com os pilotos todos os dias, eles vêm a loja todas as manhãs, estamos em contato permanente.
É viável financeiramente?
GC: Os dois primeiros anos, empatamos. Em 2017, passamos do ponto, mas é o ano de maior conquista, projetando 2018. Vamos colher em 2018 para cobrir o que passamos em 2017. Mas é possível. Dá trabalho, mas é possível. Eu gostaria de dividir o box com todas as equipes no mesmo patamar. Gostaria muito que isso acontecesse, mas tem que ter paixão, criatividade, não apenas dinheiro.
A sua equipe passou por uma mudança de pneu interessante recentemente. Vocês eram Pirelli e mudaram para a Borilli. Por quê?
GC: Sou o único cara que fez esta troca. Imagina, Pirelli é Fórmula 1. Mas eu gosto de desafio. Renato Borilli (proprietário da Borilli Pneus) bate na minha porta e explica todo projeto. Eu aceito. Foi um sacada porque prefiro ser importante para alguém. Somos o principal meio de divulgação da Borilli. Na Pirelli, sou o rabo da formiga. E estamos muito felizes com a Borilli. Deu muito certo.
Estamos na melhor fase do Brasileiro de Enduro?
GC: Acredito que sim. Não na melhor safra de pilotos, mas na melhor época em termos de estrutura. O Bruno (Crivilin), por exemplo, vai ter que remar muito para fazer o que o Bê Magalhães fez. Mas a diferença daquele momento (fim da década de 1990 e inícios dos anos 2000) para o atual, são as estruturas. Hoje temos acesso às coisas. A moto que o Bruno Crivilin utiliza hoje aqui em BH, ouso dizer, é 95% igual a moto do Joseph Garcia, que é a estrela da KTM no Mundo. A suspensão é a mesma. Pedaleiras, tanques, guidão. Vai ter um detalhe de motor e ignição só, que são diferentes. Há 20 anos, há 10 anos, isso era impossível. E a estrutura de equipe, furgão, aquilo tudo que comentei antes, é a mesma da KTM da Espanha e França, que são os dois países mais fortes. Aí você pega a estrutura do Zanol, da Sacramento, da Sherco, todos têm uma estrutura. Anos atrás não tinha isso, era cada piloto com sua van e sua tenda.
BRMX: Tem interesse em ter equipe de motocross?
GC: Gostaria de ter um trabalho no motocross também. Mas a operação da Dafra só consegue montar as motos de enduro em Manaus. Então, é a moto que eu tenho pra ofertar. A operação da importação das motos de motocross é a KTM Brasil que faz. Através de uma solicitação minha, a KTM faz a importação da Áustria. Daqui poucos dias chegam 40 motos no Brasil. E a gente faz tudo isso, faz equipe, investe, marketing e tudo mais, porque lá no fim, queremos vender mais motos. Então, existe um projeto para fazer equipe de motocross, mas ainda é muito embrionário. O mesmo com o rally. Ainda não tenho moto suficiente para oferecer. Mas existe o projeto.
BRMX: Vemos o Bruno Crivilin crescendo a cada dia, se destacando em provas internacionais e nacionais. Quais os planos para o Bruno?
GC: Todos me perguntam. Até minha esposa. Remete a 1991 outra vez. O que eu quero para o Bruno é o que ninguém fez por mim e por nenhum piloto no Brasil. A estrutura que o Bruno tem, nenhum piloto no Brasil um dia teve. Zanol foi um monstro no enduro, mas foi tudo sozinho, com ajuda de um aqui e outro ali, mas tudo na cara e na coragem. O que o eu coloco à disposição do Bruno é algo totalmente diferente. Psicólogo, nutricionista, fisiologista, nutrólogo, fisioterapeuta, assessoria de imprensa, duas motos, ele mora em um apartamento na zona nobre de BH, tem carro rápido, furgão, bicicleta. Ele se preocupa em andar de moto. Ele é piloto de enduro profissional. Então, a ideia é fazer o Bruno correr o Mundial de Enduro, mas com carreira no Brasil também. Vai também para estas provas maiores como Romaniacs, Sea to Sky, e Superenduro. Ele tem um talento muito grande, um carisma muito grande, e um suporte muito bom. Trato ele como um filho, tanto na hora do carinho como na hora da cobrança. Piloto tem que ter postura, tem que dar entrevista, cuidar dos patrocinadores. É com todos os pilotos assim. E, provavelmente será só o Bruno na Orange BH KTM, e a equipe de enduro será Yamaha, a O2 BH Yamaha. O que a Geração faz no motocross, vamos fazer no enduro. Com todo respeito, vamos fazer um trabalho ainda maior no enduro. A operação será grande.
BRMX: Você foi uma das pessoas envolvidas diretamente na organização do Red Bull Minas Riders, que acabou cancelado neste ano. Teremos a competição de volta ao Brasil em 2018?
GC: Não teremos o Red Bull Minas Riders em 2018. Eu gostaria de ter, apoiaria de novo, investiria de novo, mesmo com a pancada que tomamos. Mas, a Red Bull ficou muito traumatizada com isso. Temos que esperar as coisas esfriarem. O Minas Riders é muito grande e uma prova muito cara. O Red Bull Los Andes, aonde a gente foi recentemente, é o tipo de prova que deveríamos ter aqui no Brasil. Eram 300 pilotos, prova pequena, no sábado tem o prólogo, domingo corrida. Uma plástica violenta, baixo investimento, Red Bull, visibilidade violenta. É o formato. Não temos a Cordilheira dos Andes, mas temos 200 lugares deste nível aqui em BH para fazer. Poderíamos ter um Red Bull BH, até mesmo em 2018. Mas o Minas Riders não vejo uma perspectiva de ter novamente tão cedo. O mundo todo quer ter uma prova daquelas, paga para ter, nós jogamos no lixo. O estado fala “some daqui”. É lamentável.
BRMX: O Six Days foi o ponto alto do ano?
GC: Para nossa equipe, na verdade, foi o Romaniacs. A vitória do Bruno Crivilin na categoria Silver foi algo gigantesco. Andou contra 100 gringos semi-profissionais, pilotos de equipes “satélites”. Pilotos que as equipes colocam ali para enfrentarem a Silver por dois, três anos, e depois subirem para a Gold. O Bruno, com estrutura humilde, simples, moto usada, foi lá e ganhou. O Bruno vencer o Romaniacs é o maior feito de um piloto brasileiro no exterior. Com todo respeito ao Balbi, ao Zanol, ao Jeam Azevedo, ganhar um Romaniacs na Silver é um feito que o Brasil não entendeu, é gigantesco. Os gringos não entenderam como um brasileiro chegou lá e fez isso. E o Six Days eu entendo que foi um feito conseguir fazer equipe outra vez. O oitavo lugar é o melhor resultado da história, mas ter conseguido ir foi sensacional. É muito caro, custa 150 mil reais com esta estrutura que nós fomos. Mas, comercializamos muitas camisas, uniformes, jaquetas, nos moldes do que aprendi com a seleção norte-americana. Em janeiro, eles começam a fazer ações para arrecadar. Parte do que conseguimos foi através disso. Para o ano que vem, pretendo levar 30 brasileiros. Gostaria de encabeçar também uma seleção para a seleção brasileira. Abrir para as outras marcas. Pensar no esporte também. Vamos iniciar o projeto em fevereiro para a competição em outubro. E o projeto do Romaniacs 2018 começo ainda este mês. Espero levar 10 brasileiros para lá no ano que vem.