Dois dias seguindo os passos de Sebastien Tortelli

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Seb Tortelli na Fazenda ASW – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Sebastien Tortelli contraria totalmente a fama de “metidos” dos franceses. O bicampeão mundial de motocross, um dos poucos que foram capazes de bater Stefan Everts e Ricky Carmichael é, acima de tudo, uma pessoa cordial, bem humorada, sorridente, de bem com a vida.

“Ele é diferente mesmo da maioria dos franceses. O cara é gente boa demais!”, confidenciaria Jorge Balbi Junior durante uma conversa telefônica nestes últimos dias.

Ao acordar na manhã do dia 12 de dezembro de 2012 – 12/12/12 –, no ASW Off Road Park, onde esteve para ministrar cursos de pilotagem, Sebastien Tortelli pegou uma xícara de café puro, se acomodou em um banco ao meu lado, e puxou papo em seu inglês com sotaque que mistura acentos franceses e californianos.

– Bom dia. Você dormiu bem? – perguntou, realmente interessado, querendo começar mais um dia com boas conversas, em clima agradável.

Foi assim durante as 48 horas que passamos juntos em Mogi das Cruzes – cerca de 100 quilômetros da capital paulista – onde fica a fazenda da ASW (que local agradável!). Pudemos trocar ideias sobre motocross, ele falou de sua família, dos velhos tempos, da amizade com pilotos como Blake Warthon ou Ezra Lusk, da sua escola de MX, a Champ Factory. Discutimos o motocross brasileiro, o MXoN, entre outra coisas, e eu dei uma pequena ajuda no curso, traduzindo alguns ensinamentos para pilotos que não falavam inglês, podendo assim acompanhar a surpreendente evolução dos atletas com apenas algumas horas ao lado do campeão.

Seu jeito de ensinar é muito didático, e seu olho é realmente clínico para perceber detalhes no posicionamento, na frenagem, na aceleração e até mesmo no comportamento psicológico dos atletas. Todos melhoraram bastante. Eu vi.

No meio do bate-papo, quando estávamos jantando pizzas e bebendo Fanta (ele disse que a Fanta brasileira é muito melhor que a Fanta nos EUA), Tortelli sugeriu uma mudança para o Campeonato Brasileiro de MX.

– Porque vocês não fazem um campeonato do sul e outro do norte, como nos EUA tem Leste e Oeste, e no fim fazem duas etapas finais para definir o campeão nacional do ano – indagou, tentando solucionar o problema das longas viagens e grandes despesas que as equipes brasileiras têm a cada temporada.

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O papo seguia. Você fez grana o suficiente com o motocross?, perguntei.

– Sim. Trabalhei toda minha vida com o esporte. Ganhei dinheiro o suficiente, e ainda ganho, para ter uma vida muito boa.

E os pilotos da atualidade, como Ryan Villopoto, Ryan Dungey, Bubba, estão ganhando ainda mais, não estão?

– Estão. Jeremy (McGrath) começou tudo isso (a ganhar muita grana com motocross). Depois Ricky Carmichael. Ele e a Fox trabalharam muito bem o marketing. E aí vieram as marcas de energéticos, e elas transformaram tudo numa coisa muito grande. Hoje em dia, os cinco melhores de cada classe nos Estados Unidos e os cinco melhores do Mundial ganham muito dinheiro. Os dez melhores conseguem ter uma boa vida – considera Tortelli.

Sempre muito pensante, analisando cada detalhe, ele seguia mostrando a inteligência que um piloto de motocross precisa para ser um grande campeão. Não basta condição física, “cabo enrolado”, moto potente. É preciso analisar, pensar no que está fazendo, pensar um passo na frente.

“Lembro dele em 1998”, comentou o ex-piloto Rafael Ramos, que também esteve no ASW Off Road Park para assistir as aulas. “Estávamos em Belo Horizonte, no Mundial de Motocross no Brasil. Ele e o seu team manager caminhavam pela pista antes de cada bateria, observando e discutindo detalhes de cada salto, cada curva. Aquilo me chamou muito a atenção. E ele já era campeão mundial”.

– Aquela pista era muito legal. Eu realmente gostei dela quando corri no Brasil. Fui duas vezes correr em Belo Horizonte antes de vir para o Motocross das Nações em 1999. Aliás, quando vim para o MXoN, pensava que a corrida seria em Belo Horizonte, mas daí me falaram que seria em Indaiatuba. Essas pistas ainda existem? – perguntou Tortelli entre um pedaço de pizza e outro, no jantar do dia 11 de dezembro, após um banho de piscina para relaxar do calor intenso que fazia em Mogi naquela data.


Old times

Toda técnica de Seb e sua KTM – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Um dos meus assuntos prediletos quando encontro pilotos mais velhos, é sobre os velhos tempos. Gosto de relembrar a história porque ela preserva e faz o esporte crescer. Falamos um pouco de quando Seb – como me acostumei a chamá-lo – foi campeão mundial pela primeira vez, em 1996.

– Eu tinha 18 anos e mal sabia o que estava acontecendo. Quando você é muito novo, não sabe valorizar direito as coisas. Bolley (Frédéric Bolley, campeão mundial em 99 e 2000 de 250 2T) veio até mim e disse: “Seb, você sabe que você é campeão mundial?”. Eu respondi: “sim, eu sei”. E aí ele me explicou que apenas pouquíssimas pessoas alcançavam aquilo, e eu deveria valorizar – relembra.

Em 1999 você se mudou para os Estados Unidos e, talvez, se tivesse permanecido na Europa teria sido campeão mundial mais vezes, diminuindo a supremacia de Stefan Everts.

– Com certeza teria. Com certeza teria tirado alguns títulos de Stefan. Mas eu não me arrependo de ter ido para os EUA. Era um sonho de criança. A única coisa que eu faria diferente é que teria andado primeiro de 125cc no supercross, para pegar as a manhas. O supercross é complicado, você precisa se acostumar, aprender como andar. É muito técnico e muito intenso. Você quase não tem tempo para descansar. Aliás, você só descansa nos grandes saltos, geralmente nos triplos – explica.

Seb falou ainda de outro piloto muito forte dos anos 90, mas que também não conseguiu ser campeão: Ezra Lusk, seu amigo.

– Ele era muito rápido, muito técnico. Mas tinha muitos problemas familiares que o atrapalhavam o tempo todo. Ele bateria Jeremy, com certeza teria ganho um título. Mas, tinha muitos problemas externos. É um grande amigo. Fomos colegas de equipe na Honda. Uma pessoa incrível – relembra.

Trazendo a conversa para os dias atuais, pergunto se ele tem um favorito para vencer o AMA SX.

– Acho que ninguém pode bater Ryan Villopoto neste momento. Ele está em forma, é muito rápido, consistente, forte. Ryan Dungey é forte também, mas não daquele jeito. E James (Stewart) é ainda o mais rápido, mas é muito incostante. Não acho que a mudança para a Suzuki vá alterar a sua rotina. Ele seguirá levando tombos, perdendo corridas, coisas que RV2 não faz. Trey Canard é um bom piloto, mas está em uma onda de má sorte gigante. Acho que Broc Tickle fará um bom trabalho, assim como Justin Barcia. São capazes de vencer corridas, mas não o campeonato – analisa.

Curtindo a piscina da fazenda da ASW, falando dos filhos, Enzo e Tess – Fotos: Mau Haas / BRMX

 

Levando o assunto para o Velho Mundo, pergunto se ele pensa que Cairoli será batido por Herlings, ou se poderia ser batido por Herlings nas mesmas condições, relembrando um pouco o MXoN deste ano, em Lommel.

– Na areia sim. Herlings pode bater qualquer um na areia, mas precisaria que ambos estivessem com a mesma moto. Antonio (Cairoli) com 350 e Herlings com a 250 não há chance para o holandês. Antonio é muito esperto. Ele tem a corrida sob controle, sempre. Não vejo ninguém ganhando dele no Mundial – resume.

E essas corridas que a FIM está propondo agora, com MX1 e MX2 juntas, o que você pensa sobre isso?

– Acho bem interessante, tanto para os pilotos quanto para o público. Lógico que o público vai ter menos corridas para ver, mas vai ver uma corrida mais excitante. Porque haverá pilotos de 250 brigando com os de 450. Na França tínhamos corridas assim, e eu adorava andar de 125 no meio das 250. Era desafiador – relembra.

Neste ano, você era um dos organizadores do GP do México, e teve todo aquele problema com a poeira, e os pilotos decidiram não correr no sábado. Você poderia explicar melhor o que aconteceu?

– Eu não era organizador, era apenas uma espécie de conselheiro do GP. Estava ajudando. E eles (os organizadores) realmente estavam atrasados em algumas coisas. Mas, quando a FIM veio nos falar que a pista não tinha condições, tínhamos tempo para melhorá-la e nós fizemos isso. O que me deixou realmente “puto” foi que os pilotos sabiam que eu estava lá para ajudar, eles me conhecem, e ninguém veio falar comigo. Eles simplesmente decidiram não correr e sequer vieram me perguntar, trocar umas palavras – reclama.

E no próximo ano, você estará envolvido com o GP do México outra vez?

– Ainda não sei. Sequer sei se serão os mesmos organizadores.

Observando e orientando o pequeno Diogo durante as aulas de curvas

 

Voltamos ao papo mais descontraído, e ele contou histórias sobre seus filhos (Enzo e Tess), que estudam em uma escola francesa/americana em San Diego, onde está a Champ Factory e sua residência.

– Minha mulher é francesa e, em casa, falamos apenas francês. Chegou uma época em que falávamos francês como Enzo e ele respondia em inglês. Foi quando demos um “basta” e o mandamos para uma escola franco-americana.

Enzo pilota?

– Ele pilota mais por diversão. Tem talento, anda leve e solto, mas eu não o pressiono para ser piloto. A escolha é dele – diz.

E por que Enzo, um nome tipo italiano, e Tess, um nome meio americano?

– Queria nomes curtos. Na escola, eu sofria com Sebastien porque é muito grande. Minha mulher queria Edgard, mas eu não gostei da ideia. A convenci de que o primeiro nome seria de minha escolha, e Edgard seria do segundo filho homem. Mas o segundo veio menina. Aliás, tanto na gravidez de Enzo quanto na de Tess, nós optamos por não saber o sexo dos bebês antes do nascimento. Esperamos pela surpresa – contou, em um papo que se estenderia por incontáveis dias, se houvesse possibilidade.

Nesta sexta-feira, 14, Seb encerra o período de cursos no Brasil e parte para mais alguns dias de aulas no Paraguai. Depois volta para casa, na Califórnia. Antes de ir, porém, ele autografou a camisa que usou no primeiro dia de curso, cedida junto com a calça para um sorteio de natal no BRMX. Fique ligado!

:: Breve explicação de Tortelli para piloto Caio Lopes

 

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