Clement Desalle revela pensamentos, ideias, passado e objetivos futuros

||

Clement Desalle, vice-campeão mundial em 2010, 2012 e 2013 – Fotos: Suzuki Racing

Decifrando Desalle

Segundo, terceiro, segundo e segundo. Clement Desalle, 24 anos, tem sido a principal ameaça para Antonio Cairoli conquistar a glória no Mundial de Motocross nos últimos quatro anos.

O decidido e recluso belga têm sofrido com lesões (fraturou o ombro em 2011) e problemas pessoais (duas perdas de familiares em 2012), mas semana sim, semana não, oferece ao siciliano seu teste mais duro.

Essa disputa acirrada era óbvia desde o início da sequência de quatro títulos de Cairoli. Correndo pela KTM em 2010, quando o ‘Homem da Suzuki’ venceu três dos cinco primeiros Grandes Prêmios, e ainda no último mês, quando ele ganhou de novo do campeão em três eventos seguidos.
 
Você não vai encontrar Desalle em nenhuma rede social, e por mais que ele seja uma parte importante do futuro do MXGP, ele é quase aquele tipo de piloto ‘old school’, do passado; prefere deixar seus resultados e sua velocidade falarem por si, e é relutante em participar das partes comerciais e de relações públicas do esporte.

“Penso que você precisa ter uma personalidade forte para chegar ao topo. Eu digo o que eu penso. Eu não direi para você ‘amarelo’ se estou pensando ‘azul’. E talvez isso não seja algo muito apreciado”.

Desalle é educado e respeitoso, mas também tímido quando sob os holofotes. A agitação que ser um piloto de ponta traz, combinada com a sua personalidade, pode significar que ele não é um dos caras mais querido por todos. Na moto ele é formidável: tem uma boa largada e não se importa de mostrar a roda da frente para qualquer adversário… até o limite, se analisarmos de perto.

Seu potencial tem aparecido repetidamente, e não só na MX1, como a positiva velocidade nas poucas apresentações no AMA Motocross (duas nesta temporada), resultaram em dois pódios e chamaram a atenção de muita gente.

Se Desalle consegue se divertir com sua RM-Z450, se torna “imparável”. Ele alcança o mesmo nível de diversão e alegria quando está com seus animais, na pista de superbike perto de Spa Francorchamps ou praticando rally com seus amigos pelas florestas fechadas perto de sua casa, que divide com a namorada, a alemã Andrea, em Wallonie, no sul da Bélgica.

 
A revista OTOR, que é parceira do BRMX para matérias internacionais, conseguiu algumas declarações sobre seu passado, a temporada atual, sua profissão, sua vida…

Vale a leitura!

 

Primeiras chances

Eu acredito que a primeira vez que eu pensei que eu devia ser bom como piloto de motocross foi quando eu tive a primeira oportunidade de correr grandes prêmios! Eu tinha feito algumas corridas de supercross alemão, mas me machuquei depois de apenas quatro corridas. A equipe Kurz me fez uma proposta para ir para o campeonato mundial na MX1 e eu fiquei surpreso, porque eu era muito jovem. Apesar de estar contundido, eu estava empolgado e achando aquela uma grande oportunidade: meu primeiro contrato! Naquela época você ainda tinha que entrar na lista para correr, e se você não se classificava, era difícil entrar na próxima lista. Existia muita pressão nos primeiros grandes prêmios, em 2006. Eu estava na lista em Zolder, mas era apenas o 32º colocado. Não me classifiquei na primeira tentativa. Na segunda, em Bellpuig, Espanha, foi meu primeiro gostinho em um grande prêmio. Foi muito legal ir para o gate pela primeira vez. Um ano atrás eu estava vendo esses caras pela televisão!

Antes das motos, os livros

Hoje quando olho para trás, fico feliz de ter conseguido meu diploma da escola. Disse para meus pais que não me importava de ficar estudando até fazer 18 anos, mas eu não queria estudar mais do que isso, ou ir para a faculdade. Teve um tempo em que eu queria ser piloto de caças de guerra, e hoje eu e minha namorada rimos um pouco disso. Era uma fantasia, mas se você tem a o temperamento e o entusiasmo para fazer as coisas acontecerem, então se torna possível.

Eu não sentia que estava perdendo as festas e coisas assim. Eu estava bem decidido em querer sair da escola e ir para casa correr ou treinar. Eu queria melhorar. Acho que sendo um atleta, sua vida é completamente diferente de uma pessoa normal. Às vezes eu penso como teria sido ter feito festas e ter vivido de um jeito diferente, mas eu não me arrependo nem um pouco da minha escolha. Amo minha vida e meu esporte. Sendo jovem, eu estava me divertindo muito com a moto para imaginar outro caminho a seguir.

Um homem de família

Tenho muito respeito pelo meu pai, e ele me conhece muito melhor do que qualquer pessoa no esporte. Também escuto o que outras pessoas falam, especialmente da minha equipe, mas com ele já conheço os atalhos. Às vezes eu sei o que ele vai dizer apenas com um olhar. Diria que ele me acalma mais do que me dá broncas! Eu sempre quero fazer mais, e por vezes isso pode ser um exagero. Minha mãe é sempre positiva, e isso é muito bom, equilibra as coisas. Se eu tive um dia ruim, ou um mau resultado, ela sempre encontra um jeito de transformar isso em algo positivo. Meu pai nem tanto, e nós dois somos mais tipo \”merda, merda, merda” enquanto minha mãe diria “não é tão ruim, você está inteiro e sabe que o resultado será melhor da próxima vez”. É realmente muito bom e importante ter os dois comigo.

Meu pai sempre teve uma moto na garagem ou em algum lugar por perto, e foi daí que eu comecei a gostar delas, de bicicletas e de coisas com motores. Meus pais não tinham muito dinheiro; como a maioria das famílias, eles se esforçavam para manter a casa e ter uma vida confortável. Aos dez anos eu ainda não tinha feito nenhuma corrida. Eu viajava com meu pai e minha família para alguns eventos que ele fazia, e então ele começou a trabalhar com alguns caras, cuidando das motos e dos treinamentos, não só no final de semana, mas também durante a semana e trabalhando como um grupo. Só havia dois caras e eles corriam na França. Eu seguia o grupo quando podia e quando não estava na escola. Eu brincava e fazia minhas próprias coisas, mas podia ver e ouvir o que meu pai estava dizendo e fazendo. Era o trabalho dele e eu aproveitei e me diverti muito estando lá.

Acompanhando a equipe do pai

Acho que meus pais se estressavam muito quando eu corria, mas acabou tudo bem. Nós estávamos sempre correndo na França porque meu pai descobriu que o modelo de GP de treinamento no sábado e corrida no domingo eram úteis. Meus pais eram rígidos com relação à escola. Eu via garotos na França que pararam de estudar e corriam desde muito jovens, mas eu não estava liberado para fazer isso, e me diziam que a escola era importante. Isso dificultou as coisas porque às vezes, para correr, nós tínhamos que viajar longas distâncias num período curto. Até meus 12, 13 anos, eu nunca disputei um campeonato inteiro. Meu pai me fazia escolher algumas corridas para ganhar experiência. Os resultados não importavam, mas as notas nas provas importavam!

Eu sempre dizia pro meu pai que gostava de muita potência na moto, e que era capaz de controlá-la. Com 13, 14 anos, comecei a andar de 450, por diversão. Eu chegava em casa depois da escola e levava a moto para pequenas florestas perto de casa. No verão, quando as noites eram mais claras, eu costumava curtir muito andar entre as árvores com aquela 450. Por semanas eu andava todos os dias em trilhas muito técnicas e realmente curtas. Se vocês vissem aquele lugar, provavelmente diriam que seria impossível andar ali com uma 450, mas eu aprendi muito ali. Ainda vou lá às vezes. Costumava dizer para meu pai “se você consegue andar rápido lá, então pode andar rápido em qualquer lugar”. Era preciso ter muito cuidado com os buracos e as árvores. Quando eu cheguei na categoria das 450, comecei a realmente melhorar rapidamente. Eu era um bom piloto na 125 e na 250, mas não um que você diria “ele vai se destacar dos outros”. Eu estava no Campeonato Europeu e corria para uma pequena equipe belga. Tive a chance de chegar nas quatro tempos e progredir para um nível europeu antes de conseguir meu primeiro pódio. Isso aconteceu em Sevlievo, na Bulgária, em 2005. Fiquei em terceiro. A oferta da (equipe) Kurz era boa, mas significava correr na 450, ou 250 2T e a 450cc.
 

Relação com a imprensa

Não tenho problemas com os jornalistas, e sei que isso faz parte do trabalho. Eu acho que é sobre haver um nível de respeito mútuo, e algumas vezes eu não sinto isso. É como alguns caras que esperam fazer o que querem com você. Você tem que responder quando eles querem, e eles acham que podem escrever o que eles querem! Às vezes é um mau momento para mim, e outras vezes eu não tenho tempo naquele momento específico. Se qualquer um quer uma entrevista e nós agendamos com antecedência, então tudo bem. Eu também tenho problemas quando digo algo e minhas palavras não são corretamente usadas. Eu tive problemas com isso no passado com um jornalista belga. Repórteres podem escrever o que eles querem em suas matérias e podem criar uma má imagem de alguém, quando aquela pessoa pode não ser daquele jeito. Eu sei que às vezes posso ficar irritado nas corridas, e eu vejo isso! Mas eu fico irritado comigo mesmo e com a situação. E talvez essa não seja a melhor hora para conversar comigo. No começo, acho que meu nível no inglês (não) ajudava. Em 2006 eu não falava nenhuma palavra em inglês e não era fácil ter vindo de uma pequena cidade, e de repente ter que falar com a imprensa. Por alguns anos existiu esse rumor ruim de que eu não me dava bem com a imprensa. Isso é como uma piada ruim.

Convivendo com as lesões

Quando eu me machuco, tenho muito tempo para pensar, e tempos muito “mentais” assim não são fáceis. Algumas pessoas conseguem ficar bastante positivas e pensar “em três meses estarei de volta”, mas eu não sou assim. Eu tento fazer coisas diferentes para me manter ocupado, para me recuperar e não ficar pensando muito. Não acho que sou um desses pilotos que se machucam com frequência, se formos comparar. Vejamos… quebrei meu pé antes de chegar aos GPs e no mundial eu desloquei um ombro e quebrei o outro. Um dedo ‘aberto’, algumas coisas distendidas. Mas ainda não me sinto como um velho! Em 2011, quando Bobryshev aterrissou nas minhas costas, na etapa belga do campeonato, eu tive a real noção de como suas costas são importantes para o seu corpo todo. As costas são como uma grande máquina, com muitas partes, músculos e ligamentos, e leva algum tempo para voltar ao normal.

Vitórias recentes

Eu tive uma boa sequência nos GPs recentemente. Eu só queria, e precisava, vencer. Eu estava, tipo, cansado de esperar! Toda vez era o mesmo cara ganhando (Cairoli). Quer dizer, ele é o cara a ser batido, e foi bom ganhar de novo. Eu tive azar na Itália e me descobri numa posição de ficar esperando uma reviravolta. Isso aconteceu na Alemanha naquela (primeira) bateria que pegou fogo, e infelizmente ele venceu pela segunda vez, e aí fomos para Loket. Eu gosto de Loket porque é uma pista ‘old school’, com algumas partes modernas e pulos. A largada é muito importante lá. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo, porque se você não abre uma distância, é difícil vencer. Mas tudo correu bem esse ano para mim, então eu gostei!

Desalle vs. Searle

As pessoas ainda perguntam sobre aquela última etapa e da batalha com Searle. Ok, o movimento foi um pouco agressivo demais, mas também não foi algo como se eu tivesse tentado matar ele. Eu só assinei os papéis (advertência da FIM – Federação Internacional de Motocross) na Finlândia e fui embora. Durante a semana anterior ao GP da Alemanha, fiquei pensando sobre o assunto e não estava totalmente feliz com a decisão. Ninguém viu o lance na hora, e não aparecia no vídeo, mas antes dele me passar – sem problemas – e eu passar por ele na sequência, ele veio para cima de mim com bastante agressividade. Eu pensei ‘caramba, isso foi bastante contato’! Nós disputamos de novo e ele foi para fora da pista, e então fomos para a curva onde nos tocamos. Como eu disse para a FIM, se ele quisesse mesmo, poderia ter parado de acelerar. O que eu realmente não gostei foi dos comentários dele na internet falando sobre dar o troco. Ele queria conversar sobre o acidente no gate da etapa da Alemanha, e aquela não era uma boa hora, porque eram apenas alguns minutos antes da bateria classificatória. Mesmo assim eu disse para ele que eu não tive a intenção de fazê-lo bater. Era verdade que no vídeo parecia que eu olhava para trás depois do toque, mas foi somente para conferir se ele ainda estava lá, porque na próxima curva ele tentaria me colocar pra fora! De qualquer forma, todo mundo tem o seu próprio estilo. Isso já é passado e eu não me preocupo mais com isso.

Aprimorando a largada

Desde a segunda parte da temporada minhas largadas estão melhores, e eu estou um pouco mais confiante com isso. Mudei um pouco a minha técnica, e fazer algumas corridas nos Estados Unidos também ajudou. Tentar algo novo nos GPs pode ser um pouco assustador, porque se não funciona você pode perder muito. Nos Estados Unidos o nível é bem alto, mas eu não tinha nada a perder e não haveria nenhuma repercussão para o campeonato. Os caras lá são realmente rápidos.

Dúvidas sobre o Green Card

Nós estamos levando realmente a sério a possibilidade de ir para os EUA em 2014. Conversei com Andrea (namorada) e com meus pais e estamos analisando as opções. Não sou o tipo de cara que fará uma decisão desse tamanho sem um plano. Eu não iria e encararia como um dia depois do outro. Eu tenho bons contatos e conversações adiantadas, e estarei pronto para ir. Estava procurando uma equipe e analisando as propostas financeiras, já que você precisa se manter. No final nós não tínhamos chegado ao estágio de assinar um contrato. Meu objetivo principal é estar feliz e curtir pilotar, e isso não é apenas sobre o dinheiro, mas ir para lá (EUA) em definitivo teria significado uma grande perda (de dinheiro). Perdi algumas noites de sono pensando nisso, e a mudança também foi alvo de muitas conversas durante o jantar. No verão, quando eu voltei dos Estados Unidos, fomos direto para Ernee para o GP! A pista não estava boa e eu estava mais motivado a ir para o AMA, mas depois de um tempo você acaba ponderando as coisas. Finalmente encontramos um bom jeito de continuar nos GPs. Minha equipe é um grupo muito bom de pessoas, que trabalha muito duro para dar o melhor para o piloto. Tenho consciência de todas as coisas boas que me cercam.

Título mundial como objetivo

Se eu sinto que ainda tenho tempo de me tornar campeão mundial? De certa forma, sim. Se a chance aparecer, então eu a pegarei, mas acho que ainda tenho alguns anos para tentar. Se eu pudesse conquistar isso agora, tudo bem. Não quero colocar pressão ao estabelecer uma meta de tempo, já que para ganhar também é preciso um pouco de sorte. É um esporte mecânico, e existem muitos fatores que devem funcionar. Alguns ganham bastante, mas nunca ganham o campeonato, como (Marnic) Bervoets e (Josh) Coppins. Eu sou feliz porque tenho a minha garota, duas cabras e um cachorro. Tenho o que preciso. Sim, eu ganhei as últimas etapas, mas o título é o meu objetivo.

:: Ficha técnica

Moto: Suzuki RM-Z450
Cidade Natal: La Louvière, Bélgica
Cidade onde vive: Gouy lez Pieton, Bélgica
Data de nascimento: 19 de maio de 1989
Idade: 24 anos
Altura: 1,70m
Peso: 77Kg
Comida favorita: Massa carbonara
Hobbies: correr, pedalar, jogos com raquete e pilotar por diversão
Pista favorita: Is Sur Tille, na França

:: Principais resultados da carreira

2013: vice-campeão mundial na MX1
2012: vice-campeão mundial na MX1
2011: terceiro no Mundial de MX1
2010: vice-campeão mundial na MX1
2009: terceiro no Mundial de MX1 e campeão belga
2008: 11º no Mundial de MX1
2007: 20º no Mundial de MX1
2006: temporada de estreia no Mundial – 25º na MX1
2005: 5º no Mundial de 125cc Júnior
2004: 9º no campeonato francês de 125cc
2003: 9º no campeonato francês de novatos


* Felipe da Costa Conti, jornalista, faz sua estreia no BRMX e no mundo do motocross com a tradução desta reportagem sobre Clement Desalle.