Milton Chumbinho Becker relembra as três maiores corridas de sua carreia

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Chumbinho segue comemorando conquistas – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Sentado na cama de um quarto de hotel em Anchieta, Espírito Santo, Milton “Chumbinho” Becker falava.

Era noite de sexta-feira, um dia antes dele entrar na pista para arrematar seu 17º título nacional na carreira (somando Brasileiro de Motocross, Supercross, Ultra Cross e Superliga). Era dia 10 de agosto de 2012 e no dia seguinte ele se tornaria campeão brasileiro de MX3.

Chumbinho vestia camiseta e bermuda naquela noite. Pés descalços descansados sobre o lençol. Tinha 45 anos. Vivia seu 29º inverno de carreira. Lembrava de momentos marcantes.

“Quais foram as três principais corridas da tua vida?” era a pergunta central da conversa, tentando iniciar uma reportagem que pode fazer eco sempre que o BRMX tiver a oportunidade de sentar e conversar calmamente com uma lenda dessas.

– Cada corrida tem sua história, mas têm duas que me proporcionaram estar aqui hoje. Nelas mostrei serviço, me destaquei para poder seguir na carreira. E a final do Brasileiro de SX de 1998 é muito especial porque era com meu irmão (Elton Becker). Disputei títulos com vários pilotos, perdi e ganhei, mas o que mais me marcou foi ter que disputar o título com meu irmão – disse Chumbinho, já elencando as três que serão detalhadas mais abaixo.

As primeiras duas corridas relembradas datam do início da carreira. Uma em 1988, com moto nacional, e outra de 1989, a primeira dele (pra valer) com uma moto especial, disputando posições com Jorge Negretti, Eduardo Saçaki e Cássio Garcia.

Nota da redação: Este texto ficou guardado por tanto tempo porque buscávamos fotografias ou vídeos destas corridas. Não encontramos nada específico que pudesse ser utilizado. Se você tiver algo desta época, entre em contato pelo Facebook, Twitter ou e-mail. Agradecemos!

Vale detalhar também que os relatos têm partes gravadas em áudio. Você pode ouvir o próprio Chumbinho contando os “causos”. Aprecie!


 

1988 – De nacional no nacional

Hollywood Motocross
Curitiba, Paraná

Ouça um trecho

Chumbinho tinha 21 anos e ainda corria de moto nacional, uma Honda XL 250. Era patrocinado por uma concessionária Honda de sua cidade natal e ganhava apoio do motoclube local. Com esta estrutura, viajou a Curitiba para competir no Hollywood Motocross.

“Tinha corrida classificatória”, conta Chumbinho. “Era muita gente. Eu estava liderando a minha classificatória e tinha uma mesa enorme, que só o Guilherme Boeing de WXT toda especial e eu, de XLão, fazíamos.

Na última volta, emendei e quebrou as duas mesas, a de baixo e a de cima. A bengala saltou pro lado e eu saí capotando. A vontade era tanta de classificar que eu ajuntei a moto e fui. A bengala do freio ia arrastando no chão, e conforme eu apertava e soltava o freio, ela andava. Fui até a chegada e classifiquei em PENÚLTIMO.

Tentamos pegar peças emprestadas de alguém. Como viram que eu estava andando bem, ninguém emprestou. Ligamos para Itapiranga (cidade Natal de Chumbinho, no Oeste de Santa Catarina) e lá eles desmontaram uma moto, colocaram no ônibus e no outro dia de manhã chegou em Curitiba.

Me lembro até hoje daquele subidão em Capanema. Eu lá na pontinha (do gate), 40 motos do meu lado. Eu com essa moto velha. Quando largou, bateu no paredão e eu fui por fora. Me joguei por fora. É a minha chance. É agora ou não é mais.

Saí em primeiro.

Liderei algumas voltas e, na seção de costelas, peguei um retardatário. A XL era muito pesada, difícil de passar batido nas costelas. Eu passava só no meio, onde era baixinho. Mas peguei o retardatário e tive que sair do trilho. Nisso, o “Boinguinho” veio pelo lado e me passou. Ele abriu (vantagem) e eu fiquei em segundo.

As meninas da Hollywood vieram me buscar, me levaram pro pódio. Levei uns seis ou sete meses pra gastar toda premiação (risos). Foi nessa corrida que eu comecei a aparecer.”

 

1989 – Encontro com Jorge Negretti

Marlboro Supercross
Chapecó, Santa Catarina

Ouça Chumbinho contando:

Chumbinho faria sua estreia com moto especial em uma grande competição neste dia. O dono de sua equipe, a mesma de Cássio Garcia, pegou uma moto que Cássio não usava mais e deu para Chumbinho correr.

“No final de 88 eu fui contratado por São Miguel (cidade vizinha e maior que Itapiranga) por causa da corrida de Curitiba. O Gambatto (dono da empresa – concessionária Honda) viu que eu poderia ganhar o Hollywood. Me deu uma CB 450 zero quilômetro pra me contratar.

Mas no ano seguinte não saiu o Hollywood. Fiquei correndo o estadual. Aí, no final do ano teve essa prova em Chapecó. Foi um Marlboro Supercross.

A pista era em cima do gramado do estádio. Eu ainda não tinha visto isso. Choveu e eu ganhei a classificatória do Negretti, e ele já era respeitado. Pensei: esse cara deixou eu ganhar. Tinha uns pulos grandes, eu nunca tinha andado de 250 2T. Andava de XLão, e de vez em quando com uma CR 125.

Na corrida, larguei de bico. Primeirão. Dali a pouco dei uma errada, saí da pista, voltei e o bump enrolou na roda traseira. Nessa, o (Eduardo) Saçaki me passou e eu acabei em segundo.

Essa história eu contei pro Negretti um dia, lá em Caxias (Rio Grande do Sul). Ele não lembrava. Quando eu subi no pódio, em segundo, ele me olhou e perguntou: “da onde tu é?”.

Foi minha primeira grande corrida de especial. Saiu no jornal, foi uma festa.

Se não me engano, o Saçaki ganhou, eu fiquei em segundo, e o Negretti em terceiro, Acho que o Rogério Nogueira foi o quarto e o Cássio terminou em quinto.”

 

1998 – Chumbinho Becker contra o irmão (a mais difícil)

Skol Supercross
Poços de Caldas, Minas Gerais

Ouça um trecho

Chumbinho queria ganhar (como sempre), mas queria que seu irmão, Elton Becker, também ganhasse. Os dois tinham chances de ser campeões do Skol Supercross de 1998, assim como Jorge Negretti também tinha.

“É complicado”, tenta explicar Chumbinho.

“Naquele ano, o supercross começou na praia, e eu sempre tive dificuldade de andar na praia. Fui morar uns dois meses na praia para treinar. E acabei com esse negócio de não andar bem na areia.

Eu tinha ganhado as quatro etapas no início do ano e era o favorito. Mas na etapa de São Paulo, em Limeira, em um step, a moto me jogou. Acordei só no hospital, com o pulmão perfurado, com várias costelas quebradas.

Fiquei fora daquela etapa e na seguinte, em Natal (Rio Grande do Norte), corri com as costelas quebradas. Tomei uma medicação forte e marquei um ou dois pontos.

Depois de Natal tivemos mais uma etapa em Cuiabá (Mato Grosso). Perdi a corrida na última volta para o Negretti. Fomos para a última etapa com o Negretti tendo mais chances, segundo o Elton, e terceiro pra mim.

Daí fui fazer um trabalho com psicólogo. Tinha lido um livro sobre o Ayrton Senna, do Nuno Cobra (Semente da Vitória), e nele falava que você pode ir muito além do que você imagina que teu corpo pode dar. É só treinar a mente.

Na corrida, eu tinha que ganhar a classificatória, que valia um ponto, o maior número de voltas na liderança também valia um ponto e mais a final, eu precisava ganhar. O Elton e o Negretti só precisavam ganhar a corrida.

Na classificatória, briguei com o Marlon (Olsen) do início ao fim, mas ganhei. Aí fui pro gate da final e os caras liberaram para dar uma volta porque a neblina tinha baixado. Todo mundo foi e eu fiquei.

Quando voltaram pro gate, tiraram o óculos. E agora? Nem perguntei por que tiraram. Mas eu tenho que sair em primeiro.

Quando deu a largarda, saí em primeiro. E fui. Quando emendei o triplo eu vi porque tinha que tirar o óculos. Tampou tudo na hora! Só passei a mão e arranquei o óculos e me agarrei no acelerador.

No finalzinho, o Elton veio chegando, chegando. Mas ganhei a corrida…

E veio um monte de coisas na cabeça. Eu consegui me superar, consegui fazer o que o outro tinha contado no livro. Foi uma superação.

Na volta da corrida, viajamos juntos, ele no caminhão dele e eu no meu, e nos falamos pouco porque um não queria prejudicar ou influenciar o outro.

Depois da corrida a gente conversou mais, se abraçou. Mas é triste por um lado. É legal que você sabe que o jogo sempre vai ser limpo entre os dois. Nunca vai ter maldade.

Quando terminou, dei um abraço nele. Mas tu fica meio assim, não sabe como ele vai entender isso. Mas, ter deixado ele ganhar também não seria certo. Ele iria se sentir humilhado. Ele lutou até o último minuto. Talvez, por eu ter mais experiência, pelo que eu tinha lido, sabia de situações que os caras tinham se superado.

Só que não é uma conversa gostosa (falar disso com o Elton). É doído. Eu queria que ele ganhasse um título. Eu me preocupava mais com ele do que comigo mesmo. Eu acertava a motinha dele. Eu queria que ele tivesse ganhado um título nacional.”

Chumbinho e Elton Becker em foto em prova realizada em Itapiranga, Santa Catarina, cidade natal dos irmãos Becker no final da década de 90 – Foto: Cortesia Marino Scheid / Arquivo Foto Studio Marino – DETALHE: este rapariga de tênis branco em cima da árvore é o mesmo que escreveu esta reportagem. O mundo gira!


* Texto corrigido no dia 10 de maio de 2013