Carlos Campano aparenta ter certeza em cada palavra pronunciada assim como parece ter seus miolos sob controle mesmo nas corridas decisivas, acirradas, ferrenhas. Foi assim na final do Arena Cross e na última bateria do Brasileiro de Motocross 2014, quando já tinha vantagem suficiente após vencer a primeira bateria em ambas e soube administrar a ânsia, a vantagem e a vontade de vencer mais uma.
O piloto de 29 anos se encaminha para a quarta temporada no Brasil em 2015. Chegou em 2012, se instalou em um apartamento na cidade de São José, na Grande Florianópolis, Santa Catarina, e começou a ganhar corridas. A primeira delas, em Carlos Barbosa, Rio Grande do Sul, assombrou a todos após cair em uma largada com 40 motos no gate, levantar, ultrapassar todo mundo e vencer sob aplausos da torcida. Era seu cartão de visitas. A partir dali todos estavam avisados que o lema “sou brasileiro e não desisto nunca” também poderia ser escrito em espanhol.
Em 2014, Campano ganhou os dois campeonatos mais importes do circuito brasileiro, algo que ainda não tinha feito. Venceu ambos sem poder correr uma etapa em cada um por causa de uma fratura no pé. Perdeu 50 pontos em cada certame, mas superou a dor, a lesão, ganhou baterias e faturou os troféus do Arena Cross e do Brasileiro de Motocross. É verdade que contou com a ausência de Julien Bill no Arena e com as falhas mecânicas de Jetro Salazar no Motocross, mas é fato que fez seu papel vencendo seis das dez baterias que disputou lesionado.
Foi, disparado, o piloto que mais venceu corridas nesta temporada. Ganhou 9 das 16 disputas no Brasileiro MX e 6 das 10 baterias do Arena Cross. Na soma, ganhou 15 provas em 26 disputadas ao longo do ano. Quem mais se aproximou dele neste quesito foi Jean Ramos, que ganhou 7 baterias no total das 26.
Entretanto, o próprio piloto acredita que a diferença entre ele e os demais competidores do Brasil está diminuindo. Na entrevista a seguir – concedida na semana seguinte à conquista do título brasileiro, em uma conversa de 60min na oficina do Centro de Treinamento da Yamaha Grupo Geração -, ele garante que segue evoluindo e admite que sente os adversários tornarem as coisas mais difíceis a cada temporada.
Confira!
BRMX: Quando você chegou para a primeira temporada, em 2012, esperava ficar tanto tempo assim no Brasil?
Carlos Campano: A verdade é que não tinha um planejamento (para ficar muito ou pouco tempo). Queria ficar 2012, ver como me sentia morando longe, como seria a equipe. E tudo foi dando certo, ganhei campeonatos e a equipe foi melhorando muito. Estou feliz aqui. Estou gostando de ficar aqui.
BRMX: Já está pensando em morar para sempre no Brasil?
Carlos Campano: Por enquanto, não. A família está toda lá (Espanha), mas é certo que quanto mais tempo vou ficando, mais possibilidade tem para morar aqui depois. Porém, por enquanto, é um trabalho. Estou bem aqui, estou tranquilo. Vou ficar aqui um tempo ainda.
BRMX: Primeiro ano deve ter sido o mais difícil.
Carlos Campano: Era, mas também acho que foi o melhor em termos de competição. A Superliga era legal, mas as pistas eram meio pequenas, enquanto o Brasileiro tinha pistas maiores e boas, tinha Carlos Barbosa, Canelinha, e 2013 já eram pistas piores e 2014 as pistas eram quase todas pequenas. Eu, como piloto, prefiro pistas boas, grandes. O tratamento melhorou, mas as pistas (em 2014) eram muito pequenas, o que é muito ruim. Com o tratamento, ficou mais ou menos bom.
BRMX: Qual pista foi boa?
Carlos Campano: Lembro da primeira vez (em 2013) que fomos a Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), todo mundo falou que a pista era pequena, sem condições. Mas, agora, se você for ver, tirando Canelinha (Santa Catarina), que é uma pista boa, acho que Três Lagoas foi uma das melhores. Boas instalações, terreno bom. Mas a pior pista de 2013 foi uma das melhores de 2014, porque o resto era tudo pequena. Claro, Campo Grande (Mato Grosso do Sul) e Limeira (São Paulo) também foram boas pistas.
BRMX: Esse é o principal problema do campeonato?
Carlos Campano: Pode ser. Este ano teve poucos pilotos no campeonato na maioria das etapas, mas onde foram pistas de verdade estava cheio. Limeira, em São Paulo, tinha o gate cheio. No Rio Grande do Sul, em Santa Maria, tinha bastante piloto mesmo com a pista pequena, mas o lugar era bom, bem localizado. Se o tempo estivesse bom e a pista maior, menos fechada, seria uma das melhores etapas. Pista tem que ter 1min40seg de volta.
BRMX: Vamos voltar um pouco no tempo. No dia do tombo que causou a fratura no teu pé. Como aconteceu?
Carlos Campano: Os campeonatos demoraram um pouco para acontecer. Tiveram poucas corridas na primeira parte do ano, mas eu estava liderando os dois campeonatos (Arena Cross e Brasileiro de Motocross). Aí, muito tempo sem corridas, eu estava treinando forte, não dá pra relaxar. Aí, num treino, furou o pneu, o que pode acontecer em qualquer momento, mas aconteceu bem no triplo aqui do CT e acabei caindo e quebrando o pé.
BRMX: O que você pensou na hora? F%$&(=)/#”?
Carlos Campano: Com certeza. Sabia que tinha quebrado o pé. Fiquei com medo de tirar a bota porque não sabia se o osso estava dentro ou fora. Tive que cortar a bota. Não conseguia mexer nada. Fui no médico e ele disse que demoraria no mínimo dois meses, mas que provavelmente demoraria mais. Olhamos o calendário e vimos que havia alguma possibilidade de chegar bem na final do Arena, mas o Brasileiro era muito difícil.
BRMX: Você chegou a descartar o Brasileiro MX?
Carlos Campano: Descartei porque se eu perdesse apenas uma etapa, até dava pra tentar chegar na última (com chances). Eram oito etapas, eu já estava um pouco na frente, perderia 50 pontos, e talvez desse pra recuperar. Mas, eu não iria perder só uma etapa. Perderia uma e chegaria na outra ainda muito ruim, pra ficar fora dos dez primeiros e perder mais um monte de pontos. Era uma etapa e meia fora. Então descartei e torci para chover muito em Canelinha e a etapa ser adiada. Como isso não aconteceu, decidi tentar andar em Campo Grande e Limeira para tentar chegar mais forte na final do Arena Cross.
BRMX: Mas em Campo Grande você andou forte no começo da primeira bateria.
Carlos Campano: Sim, mas não tinha condições. Na primeira saída eu já sabia que não iria conseguir andar bem. Não conseguia saltar o duplo, estava forçando demais. Mas tinha esperança de chegar na corrida e esquecer a dor. Tomei um remédio, coloquei aquele sprei gelado e aguentei dez minutos. Larguei em quinto ou sexto, consegui chegar em segundo, quase alcancei Jetro. Estava tranquilo na moto. Pensando “não tá doendo tanto, não tá doendo tanto”, mas chegou uma hora que sim, estava doendo muito. Não conseguia mexer o pé, não conseguia frear, doía o corpo todo porque eu estava usando só o lado esquerdo. Chegou uma hora que aquelas costelas, que eram umas 12 costelas, as mais longas do campeonato, não tinha mais como passar batendo, batendo, batendo. Tive que parar. Estava em segundo, acabei em quinto e na segunda (bateria) só passeei. Mas como tinham poucos pilotos, ainda fiz pontuação de sétimo.
BRMX: O médico tinha liberado para correr em Campo Grande?
Carlos Campano: Ele disse que eu podia andar, mas quando mandei o vídeo da corrida, depois, ele ficou apavorado. Acho que não tinha muita consciência do que é o motocross (risos).
BRMX: Você fazia algo especial para manter o pé firme, intacto, para não agravar a lesão?
Carlos Campano: A verdade é que não colocava o pé no chão. Eu colocava o sprei, uma fita adesiva bem firme para não mexer e uma proteção com espuma do lado de fora do pé, que estava muito inchado. E mexia o mínimo possível.
BRMX: Quantas etapas você usou isso?
Carlos Campano: Até a final do Arena Cross.
BRMX: Mas não tinha esperança de ser campeão brasileiro…
Carlos Campano: Eu estava em quinto. Não é igual estar em segundo. Se você está em segundo, pode ser 30 pontos atrás do primeiro, mas é só um piloto que você precisar ganhar, é só um que tem que errar. Eu estava atrás de quatro pilotos. Errar quatro é mais difícil. Por isso me foquei no Arena, que eu era líder. Só dependia de mim.
BRMX: E se o Julien Bill não tivesse ido embora?
Carlos Campano: Acho que ele teria sido campeão do Arena.
BRMX: Mas você sabia que ele não participaria da etapa de Jundiaí?
Carlos Campano: Estavam falando isso, que ele tinha ido pra Europa e não voltaria mais. Não falei como era realmente a minha lesão porque ele poderia voltar e ganhar o campeonato participando das duas últimas rodadas. Só que ele também não tinha ganhado nenhuma etapa antes, e teria que voltar e ganhar. Acho que o Jean era o mais forte no Arena, mas ele foi mal no começo.
BRMX: Então você fez uma jogada psicológica, não revelando a gravidade real da lesão?
Carlos Campano: Sim, eu segurei um pouco a informação, não disse que era tão grave, mas não foi algo assim muito diferente. A ideia era andar em Jundiaí. Fui em vários médicos, cada um me dava um período de recuperação, e um me disse que tinha chances de andar em Jundiaí. Eu achava que conseguiria. Fiz um tratamento muito bom, tanto no Brasil quanto na Espanha. Mas era um osso muito pequeno, com pouca irrigação, que demora para recuperar. Na sexta-feira antes de ir a Jundiaí, eu fui no médico para ver se ele me liberava. Ele me viu e disse que não iria liberar. Duas semanas depois, em Campo Grande, ainda estava ruim, imagina em Jundiaí. Mas minha moto estava na carreta e a roupa estava pronta. Só faltou o doutor (liberar).
BRMX: Na final do Arena, você estava tenso ou tranquilo?
Carlos Campano: Muito tenso. Foi uma corrida tensa. Se fosse um dia seco, estaria mais tranquilo. Mas choveu muito na semana e estava difícil para mim por causa do pé. Fui treinar e meu pé doía muito para passar costelas, saltar aquelas rampas que cai em cima da mesa. Mas era uma corrida, uma etapa, tinha que aguentar. Toda semana chovendo, muita lama, complica muito. Poderia errar, travar em uma canaleta, dar problema na moto, o Jean (Ramos) é bom na lama, o pé iria bater no chão o tempo todo.
BRMX: Qual foi sua estratégia na final?
Carlos Campano: Achava que 2-2 seria difícil de fazer porque o Jean iria com tudo para ganhar e ainda tinha Adam, Jetro, que estavam fortes. Pensei: “ganhar ou ficar em segundo vai dar o mesmo trabalho”. Então fui para ganhar uma bateria, e se errasse ainda tinha a segunda para tentar ganhar. E na outra poderia ficar até em quinto.
BRMX: Jean Ramos foi teu principal adversário no ano?
Carlos Campano: No Arena sim, com certeza. Andou muito bem nas duas últimas etapas. E no motocross acho que o maior rival foi o Jetro. Ele não era o mais rápido, mas larga bem, é difícil ultrapassar, se adapta a qualquer tipo de pista. O Jean foi o mais rápido no final do ano, mas se o Jetro não quebra as duas baterias em Santa Maria, ele ficaria em segundo (no campeonato).
BRMX: Em qual momento você percebeu que iria ser campeão do Brasileiro?
Carlos Campano: Faltavam quatro etapas e eu estava 40 pontos atrás. Em Limeira, não consegui ganhar a primeira bateria, perdi para Jean. Mas ganhei a segunda e o Jetro caiu quando batemos na largada. Paty do Alferes eu quase nem andei. Cheguei a falar com a equipe para não andar porque a pista estava muito pesada, com muita lama, meu pé doía demais, as curvas eram pra direita e eu teria que colocar o pé no chão o tempo todo. No treino livre cheguei a ficar 8seg atrás. Iria abandonar o Brasileiro e focar na final do Arena, que seria uma semana depois. Eu não podia correr o risco de perder também a disputa pelo título do Arena. Mas larguei, saí na frente nas duas baterias, ganhei as duas e subi pra vice-liderança do campeonato. Tinha me recuperado! Agora era um cara só pra eu ganhar, não eram quatro! Era difícil Jetro errar nas duas finais. E não errou, quebrou a moto. A situação ficou boa pra mim. Porque se eu ganhasse, Jetro ainda tinha que Jean, Balbi, Adam para tirar pontos dele.
BRMX: Paty foi decisivo então. O que se passava na sua cabeça durante a prova?
Carlos Campano: Nem senti mais dores. Nem olhava pra atrás. Na primeira bateria era Jetro (que vinha em segundo), mas só sabia que era ele para poder controlar. Alguns pilotos vão mais rápidos no começo, outros no fim. Por isso é bom saber quem está atrás. Na segunda era o Balbi.
BRMX: Você estuda os pilotos para saber as características deles?
Carlos Campano: Claro. Terceiro ano andando aqui. Já sei quem é de bater, quem vai tentar me tirar da pista, quem é limpo, quem é louco e sai dando entortada na primeira volta. Tem de tudo. Tem que ficar esperto e saber os pontos fracos de todos.
BRMX: E durante a corrida dá tempo para pensar em tudo isso?
Carlos Campano: Tem que pensar. Se você não pensa enquanto pilota, vai cansar antes da hora, vai cair, vai correr riscos. Tem que pensar, olhar as canaletas, ver como a pista muda. Quem não pensa, não melhora.
BRMX: Você parece tranquilo dentro da pista. É um piloto frio?
Carlos Campano: Não é tranquilo, mas tenho muita experiência. Já cometi muitos erros. Agora tenho mais certeza do que é melhor, consigo me organizar melhor durante a corrida.
BRMX: Na final, em Toledo, teve quem te criticou por tomar uma volta do Jean Ramos, que ganhou a corrida, na segunda bateria.
Carlos Campano: Eu não precisava mais do que isso. Não precisava arriscar nada. Na primeira volta, larguei na frente e já me bateram nas primeiras curvas. Se eu fico brigando, disputando, me batem e me derrubam, quebram a minha moto. Não larguei pensando em parar, mas choveu bastante, a pista estava complicada, tanto que o Regal caiu feio, o Cordobez caiu feio. Eu não precisava. Quem precisava era Jean. Eu ganhei dele na primeira bateria. Depois, eu não tinha porque arriscar. Me preocupei apenas em ser campeão.
BRMX: A Honda trouxe quatro estrangeiros nesta temporada – o suíço Julien Bill e os norte-americanos Kyle Regal, Kevin Rookstool e Blake Wharton. Qual deles te preocupou mais quando chegou?
Carlos Campano: Eram caras que não brigariam pelo campeonato, porque participaram de poucas etapas, então não me preocupei muito. Se um deles iria mais rápido que eu em uma bateria, eu não ficaria louco tentando ganhar dele. Mas, sempre fica uma dúvida por não conhecer o cara, ou nunca ter corrido contra ele, mas conforme as corridas foram acontecendo… Acho que meu nível é bom. Depois de andar no Mundial (em Penha, Santa Catarina), vi que aqui no Brasil não estou perdendo o ritmo, estou treinando forte, certinho, tenho moto boa, meu preparo é bom, sigo melhorando. Estava perto do ritmo dos caras do Mundial, então não me preocupei muito com os caras que trouxeram.
BRMX: Nenhum te assustou?
Carlos Campano: Ah, Kyle Regal já fez segundo no AMA Motocross. Mas é motocross na América, não é no Brasil. Aqui tem que se adaptar. E lá ele tinha moto top, aqui estamos todos com moto standard. Preparadas, mas com preparação que qualquer um pode fazer, não é como moto do Mundia ou do AMA, que é tudo oficial. Não tenho muito medo de um cara com uma moto igual a minha. Já andei com moto oficial e sei o quanto é diferente, que um cara até mais lento pode me bater com uma moto oficial. Mas aqui no Brasil as motos são todas iguais. Se você quiser, compra as peças e coloca. Não é uma diferença muito grande. E o Blake Wharton até ganhou corrida de Supercross, mas aqui não tem AMA SX. Com certeza se eu for lá, vou passar mal em uma corrida com ele no AMA, mas aqui não.
BRMX: Não há possibilidade de fazer no Brasil uma moto do nível das motos das equipes oficiais no Mundial e no AMA?
Carlos Campano: Aqui tudo é caro. Mas não é só isso. Na Europa, com a minha equipe, também não tinha uma moto melhor do que tenho aqui hoje. Moto boa é moto oficial mesmo. Porque se usa protótipo, e tem muita gente trabalhando para fazer uma moto boa. Podem fazer 100 cabeçotes até chegar a um bom. Numa equipe normal não tem como fazer isso. Quando andei na Yamaha Rinaldi, éramos dois pilotos, mas a equipe era de 20 pessoas. Uma equipe normal, não tem como desenvolver o mesmo trabalho.
BRMX: E as peças são diferentes…
Carlos Campano: Os caras que fazem a peça não colocam aquela peça para vender. Vendem a peça boa, mas não é a mesma que ele tá usando na equipe. Se ele coloca esse nível de peça para vender, os outros vão chegar no nível dele. E vão brigar.
BRMX: Neste ano você mudou de mecânico outra vez. São três anos no Brasil e três mecânicos diferentes.
Carlos Campano: Queria agradecer muito ao Rafa (Rafael Rocha Porto). Não tinha visto ainda no Brasil um trabalho tão bom. Também não conheço outros mecânicos tão de perto, mas olhando as motos de fora, minha moto é a melhor. Ele trabalhou muito. A moto está sempre zerada. Testamos bastante. Chego aqui na oficina e não tenho nada para fazer, só preciso me preocupar em andar. Não preciso nem me preocupar se vou andar arena ou motocross, ele já deixou tudo pronto. Ele não tem problema em trabalhar muito, muito, muito mesmo. Sabe que eu quero ganhar. Ele quer ganhar. E para ganhar tem que trabalhar muito. Tem que trabalhar mais que os outros. Ele gosta que eu desça da moto com um sorriso. E isso funciona.
BRMX: E tinha uma moto de Arena também.
Carlos Campano: Fizemos uma moto só para o Arena, e ela é muito boa. E a de motocross ficou muito boa, me ajudou a largar na frente em diversas corridas. A suspensão ficou muito boa. Trabalhamos com Goby, que veio da Europa para fazer a suspensão. E eu não precisei dar nenhum clique nela durante o ano todo. A equipe percebeu que era importante investir na moto e deu certo. Evoluímos muito. A moto é muito importante na largada. E a Yamaha 2014 melhorou muito em relação à 2013.
BRMX: Que características tem tua moto?
Carlos Campano: Guidão é só um que funciona para mim por causa do meu braço (Campano tem o braço esquerdo alguns centímetros mais curto que o direito por causa de uma fratura sofrida na infância). A suspensão foi muito boa esse ano. Não toquei um clique sequer. O Rafa faz a manutenção e ela está sempre zerada. Fiz testes com Goby na Espanha e depois ele veio para nós ajustarmos às pistas brasileiras. Gosto dela firme com o início suave, pra sentir os buracos e o início das canaletas. Mas depois tem que ser dura pra aguentar os pulos. É o que todos querem. Nós conseguimos. Fiquei bem feliz. E o motor tem algumas peças, uma ignição para mim. A moto de Arena é mais explosiva, e a de motocross mais suave.
BRMX: O que aconteceu no teu braço?
Carlos Campano: Eu tinha sete anos, andava na 60cc, e quebrei braço, o Rádio e a cartilagem. Quando tirei o gesso, vi que estava torto. Fui ao médico e ele disse que estava bom, que iria melhorar com o tempo. Fui em outros médicos e eles falavam o mesmo. Só que o osso não cresceu mais, enquanto o outro osso do braço cresceu. Aí ficou torto. É como um braço de menino, só que forte. E também não tenho alguns movimentos.
BRMX: Não te atrapalha na pista?
Carlos Campano: Com 17 anos tive que parar a andar de moto. Doía muito. Fui operar. Cheguei a fazer o teste da anestesia e quando o médico chegou para abrir, disse que não iria fazer porque não ficaria bom. Minha articulação do pulso já era toda diferente. Se uma mão normal tem cinco ossos, na minha tem seis ou sete. É diferente. Ele disse que teria que quebrar de novo, abrir com parafuso, demoraria mais de um ano, e articulação não iria acompanhar. Um tempo depois fui fazer trilha e não doía mais. Aí voltei a andar de moto. Nunca mais doeu.
BRMX: O quanto é importante pra ti, e o quanto é importante na Espanha, ser campeão no Brasil?
Carlos Campano: Agora todos me parabenizam. Cada vez mais. No início, só os caras que seguem o campeonato, que sabem que o nível é forte, davam valor. Quem não presta muito atenção, ou até mesmo a Federação (de Motociclismo da Espanha), que não quer prestar atenção, não dá o verdadeiro valor. Mas agora já não tem mais como não saber. Veio o Julien Bill, que todos conhecem na Europa, todos conhecem Blake Wharton, todos conhecem Kyle Regal. Os caras vieram e tiveram problemas para fazer quinto. A mentalidade já mudou. O campeonato brasileiro é mais forte que o da Espanha. É verdade que só tem dez caras, mas os dez são rápidos. O nível destes dez é muito maior do que o que tem na Espanha. Lá tem um cara rápido, o resto ficaria atrás de todos no Brasil. Então, cada vez mais entendem que é um campeonato forte. Andei o Mundial esse ano e andei na frente de muitos, então as pessoas veem. E cada pouco vem um de fora e eles não estão conseguindo nem ir para o pódio. O nível aqui está forte.
BRMX: A federação espanhola nunca mais te chamou para o MX das Nações depois daquele problema no MXoN de 2011 (naquele ano, a FME disse que não teria dinheiro para enviar seus pilotos para a competição. Então eles decidiram ir pagando do próprio bolso. Chegando à corrida, os atletas espanhois souberam que a Federação ganhava dinheiro dos organizadores para participar do evento, e reivindicaram os gastos de suas inscrições de volta e despesas. A Federação se negou e Campano contou a história para jornalistas. Depois disso, nunca mais o piloto foi chamado para o Nações).
Carlos Campano: Andei o Mundial para eles observarem, entenderem que estou em um nível bom, que tenho condições de ir ao Nações. Só que não me chamaram.
BRMX: Mas tu queria ir, então.
Carlos Campano: Queria. Acho que aquela pista seria boa para mim. Tinha muita vontade de ir. Acabei quebrando o pé e não poderia ir, mas eles nem me ligaram. Com a moto desse ano, poderia fazer uma boa participação.
BRMX: Por que dá tanta vontade de correr o MXoN?
Carlos Campano: É quando você se compara, se mede, com os melhores do mundo. Não é só do Mundial, tem os caras do AMA. É a corrida que todo mundo vê. Se largar na frente e fizer uma boa corrida, todos verão.
BRMX: Recebeu outras propostas para correr na Europa ou em outros países?
Carlos Campano: Oportunidade tem. Há opções. Estou andando bem e as equipes estão precisando. Mas estou bem aqui. Acho que estou melhor aqui.
BRMX: O que te segura aqui?
Carlos Campano: No Mundial não tenho opção de ter uma moto top (equipe de fábrica). E sem moto top vou ficar em décimo. Ou a melhor corrida, fazendo um puta corridão, vou ficar em oitavo entre 12 motos oficiais. E até eu ter andado em uma (moto oficial) não tinha visto a diferença. Então, pra eu sair daqui, teria que ter uma proposta de equipe oficial, apesar de ter campeonato forte na Inglaterra, na Austrália. Mas aqui está bom.
BRMX: Como você percebe a evolução dos brasileiros depois da tua chegada?
Carlos Campano: Evoluíram muito. No Mundial de Trindade, andaram bem perto dos caras do Mundial, e todos com moto standard. O primeiro ano que briguei com Jean na 450, ele caía muito, errava muito, era difícil ele terminar uma bateria andando forte. Era rápido, mas acabava errando, caindo, cansando. Agora é um cara rápido no treino, rápido nas corridas, briga até a última volta. E com todos aconteceu isso. Wellington ganhou corrida esse ano. Só o Leandro Silva, que se machucou, ficou fora, não conseguiu evoluir. Mas o resto melhorou. O Balbi sempre foi o mais rápido, o mais forte, que briga até o fim, e este ano ele segue forte, mas os outros chegaram no nível dele. No fim do ano, todos estavam fortes.
BRMX: Como funciona teu programa de treinos?
Carlos Campano: Já tive treinador, já tive tudo isso. Hoje, mais experiente, sei melhor o que fazer. Tenho meus objetivos e faço o trabalho certinho. Sei o que é bom para mim, o que me atrapalha, o que melhora. Sei o que preciso. Tem que ter um programa na cabeça, mas se um dia está mal, tem que descansar. Se tem força de vontade, no outro dia faz o dobro. Claro que na pré-temporada treino com moto todos os dias. Mas uma vez que você está bem, que a moto está certa, é só manter. Fazer treino de qualidade. Não pode treinar 100% o ano todo. Tem que chegar nos 95% e manter o maior tempo possível. Gosto muito de correr a pé também e andar de bike. E academia. Vou bastante à academia.
BRMX: Moto de novo só ano que vem?
Carlos Campano: No momento, vou parar. Vou chegar a Espanha e fazer uma revisão bem boa no pé, ver o que vou precisar e depois posso voltar. Não quero demorar muito porque se ficar muito tempo parado depois é pior para recuperar. Ano que vem é certo que os brasileiros estarão mais fortes e outros gringos da Honda podem aparecer. Tenho que estar pronto.
:: Vídeo gravado na final do Arena Cross 2014
:: Vídeo da pré-temporada 2014, na Espanha
*Achou que faltou alguma pergunta? Deixe nos comentários abaixo. Quem sabe a gente consegue perguntar para Campano e completar essa entrevista 😉