NOTA DA REDAÇÃO: Luciano KDra Lancellotti tem mais de décadas de envolvimento com os esportes sobre duas rodas. Já viveu e participou de eventos ao redor do globo terrestre. Conhece a história e os meandros do esporte. Além disso, é uma pessoa que pensa o esporte 24h por dia, e pensa com sensatez. Leia o que ele tem a dizer sobre a apreensão de motos desta semana.
Como tudo na vida e no mundo, tudo tem uma questão de interpretação. E, como folha de papel que é bem fininha, tudo tem os dois lados. Fico muito triste pelo esporte, pelas pessoas envolvidas. Porque a gente sabe a dificuldade que é pro piloto, pra família do piloto, pessoas realmente abnegadas por uma paixão, por acreditar no esporte que é muito difícil de se praticar em um país como o nosso. Vamos organizar uma Olimpíada no Brasil sendo que a gente não tem realmente uma base em praticamente nenhum esporte.
Tudo isso que está acontecendo é uma ponta do iceberg que está saindo à tona agora. Problemas sociais e problemas do país gerados nos últimos 30 anos de história, e de um trabalho que deixou de ser feito, de entidades e de órgãos que realmente deveriam representar o esporte, a atividade esportiva, mas que como tudo em nosso país só se interessa pelo lado da política da atividade, e não pela atividade esportiva em si.
O que acaba acontecendo é o seguinte: a realidade que a gente vive de preços exorbitantes e abusivos pelas cascatas de impostos que temos em produtos importados em todo segmento das duas rodas, tanto moto e como bicicletas, tornam praticamente impossível a obtenção de um produto legal aqui no nosso país. Tudo poderia ser diferente se produtos para competições destinados à prática dessas modalidades tivessem uma atenção e uma condição especial pra compra.
O que veio à tona é uma grande falha do nosso país. Muito porque não temos representatividade nenhuma em termos de esporte, porque a entidade que deveria nos representar está fazendo política e não está gerindo o esporte. E quem paga somos nós, os apaixonados pelo esporte. E o esporte como um todo, que aqui, por exemplo, no estado de São Paulo, está em vias de não existir nesta temporada.
Claro, todos nós devemos fazer as coisas direito, mas se torna praticamente impossível nesse caso. Sou 100% contra comercialização de produtos, peças e equipamentos roubados, mas não sou 100% contra, por ser uma necessidade no Brasil, de se obter um produto “frio”. Às vezes não tem outro jeito.
A quantidade de motocicletas trazidas legalmente NÃO são o suficiente, e o preço dessas motocicletas se torna impossível. Então o que fazer? Essa é a grande questão. E não dá pra gente ser hipócrita e falar que quem estava errado tem que pagar. Tem coisas erradas antes, até nas nossas leis, que precisam ser mudadas para que a gente possa estar certo perante a lei.
Não podemos culpar nada nem ninguém. O Brasil, como nação, é responsável por tudo isso que está acontecendo. Cada um de nós tem que enfiar a carapuça até o pé. Me sinto socialmente responsável pelo que está acontecendo no nosso país. Se não estamos transformando, é porque estamos falhando como um todo. Nós criamos este monstro. Mas é sempre mais fácil culpar alguém do que assumir. Essa bucha é nossa.
Muito diferente do que a matéria da Rede Globo falou na semana passada, o esporte NÃO vive nenhum momento de crescimento, a não ser a continuidade da evolução individual de alguns pilotos.
Vivendo o mundo duas rodas há mais de duas décadas, vejo que os últimos anos foram os piores da nossa história em termos de continuidade da modalidade. O que são nossos campeonatos hoje, o que era o campeonato paulista dez anos atrás? Agora nem existe mais. O que é o Brasileiro hoje? Continuo acreditando muito no esporte e no indivíduo do esporte, mas o esporte como um todo não vejo evolução alguma. Vejo evolução no trabalho do piloto, isso sim.
Estamos sempre numa região de conforto que não leva a nada. Então, às vezes esta situação de “terra arrasada” faz com que comece uma transformação. Não temos base. Não temos base no país. Não tem saúde pública, não tem ensino público. Não tem saneamento básico. É preciso começar.
Nós, cidadãos brasileiros, somos os responsáveis por cada grão desta atitude de mudança de um país que amo e é maravilhoso, o chamado BRASIL!