*Com colaboração de Graziela Sirtoli, da Red Bull, e Janjão Santiago, do Grupo Orange
O francês Cyril Despres é um dos maiores pilotos da história do motociclismo off-road. Pentacampeão do Rally Dakar a bordo de uma KTM, atualmente se prepara para iniciar mais uma vez a competição, só que na categoria Carros.
Despres ganhou sua primeira moto aos 13 anos de idade e seus pais sequer desconfiavam que começava ali uma grande carreira sobre duas rodas. Tudo teve início nos enduros, em 1998.
Naquele mesmo ano, conquistou o título de campeão francês da modalidade. Despres correu seu primeiro Dakar em 2000. Como financiou seu intento? Vendendo nada menos que seis mil garrafas de vinho para juntar a grana necessária.
Na ocasião, terminou a prova em 16º lugar. O resultado lhe trouxe melhores condições para competir, e isso inclui motos mais arrojadas e corridas ainda mais desafiadoras. Em mais alguns anos ele se tornaria uma das maiores lendas da história do Dakar, conquistando cinco vitórias nas motos em 2005, 2007, 2010, 2012 e 2013.
O piloto também participou e venceu o Rally dos Sertões, no Brasil, por duas vezes. Nestas oportunidades, ficou amigo de Felipe Zanol, o único brasileiro a fazer frente ao francês nas competições.
O novo desafio de Despres é repetir o sucesso das motos agora sobre quatro rodas. Nesta entrevista, concedida com exclusividade para o BRMX, ele conta mais detalhes e convida a todos para curtir a transmissão ao vivo em 2018, na Red Bull TV.
Confira!
O quanto é importante traçar estratégia em um rally? Como ela é feita, no dia a dia da competição ou existe um planejamento prévio já definido?
Cyril Despres: Ter uma estratégia no Dakar é muito importante. Não é como no atletismo, em que você tenta correr o mais rápido possível em 100 metros, e que a estratégia é dar tudo de si em 100m. Para a gente, no rally, há dias longos, dias na areia, dias nas dunas, dias em que é melhor largar um pouquinho atrás e dias em que é preciso forçar o carro, pois você está se sentindo confiante na etapa. Obviamente, você tem que planejar, em uma corrida de 15 dias, quais etapas você gosta, quais serão mais ou menos importantes, e tudo isso é feito com muita antecedência. Nesta semana, por exemplo, estava com meu co-piloto no Chile e falamos bastante sobre nossa estratégia de janeiro.
Você correu por 11 anos consecutivos pela KTM, conquistando cinco títulos no Dakar. Havia acabado de conquistar o penta, em 2013, e era favorito para 2014, podendo igualar o recorde de vitórias do Peterhansel nas motos. Mas aí anunciou a mudança para a Yamaha, uma jogada que pegou muitos de surpresa. Como se explica esta mudança naquela época?
CD: Na verdade, eu sempre gostei muito da minha carreira com a KTM. Acredito que ninguém tenha ficado tantos anos na equipe quanto eu, até aquela época. Porém, após a vitória em 2013, eu senti que queria um novo desafio. Queria provar [que o sucesso] não era uma questão somente de qual moto eu estava usando e qual time me apoiava, mas que, conhecendo bem a corrida, seria possível juntar bons profissionais ao meu redor, com uma moto regulada e adaptada do jeito que eu gosto. E é isso que fizemos na Yamaha em 2013 para nos prepararmos para o Dakar de 2014. E foi um grande desafio pra mim. Na verdade, eu nunca tive em mente o plano de bater o número de vitórias de Peterhansel na moto. Pilotar minha moto e correr e Dakar já era ótimo, divertido e tudo que eu mais amo fazer. Foi um grande ano com a Yamaha, mesmo não tendo alcançado o pódio em 2014, tínhamos planos de pódio para quem sabe os próximos 3 anos. Porém, um ano depois, outra oportunidade surgiu.
Foi quando você partiu para os carros, após finalizar o Dakar na 4ª colocação com a Yamaha. Por que você foi para os carros?
CD: Como eu disse, adorei correr pela Yamaha e montar uma nova equipe com a marca. Eu gostei do Dakar [de 2014], mesmo com todos os problemas técnicos que tivemos naquele ano, mas provei que era possível montar uma equipe, pois ganhei algumas etapas. Daí, ouvi falar do Time Peugeot, em busca de pilotos para correr o Dakar e senti que seria uma boa oportunidade pra mim. Pedi o contato do chefe de equipe da Peugeot à Red Bull e pedi ao Bruno Famin se podia entrar na lista de pilotos. No fim, me escolheram. Tinham a possibilidade de Carlos Sainz e Peterhansel… Naquela época, Sebastien Loeb ainda não estava na equipe, somente nos planos futuros e eles viram potencial em mim. Estava indo bem nas motos e eles pensaram que, talvez, um piloto de moto pudesse se dar bem nos carros também. Pedi à Yamaha pra rescindir o contrato. Uma grande chance como essa é como um trem. Só passa uma vez. Se você não pula dentro dele, talvez ele não passe de novo. E é por isso que a Yamaha me liberou para viver essa nova aventura. Três anos depois, vê-se que foi uma excelente mudança, pois a Peugeot realmente me ajudou na transformação de piloto de moto para piloto de carros.
Qual a principal diferença das motos para os carros?
CD: A maior diferença entre carros e motos é o peso do veículo. 180Kg da moto para 1500kg de um carro. Não dá pra pilotar da mesma forma. O carro é mais estável, mais rápido. Motos são mais fáceis de manobrar e, ainda por cima, eu era motociclista havia 20 anos. Mudar de um veículo para o outro requer começar praticamente do zero. Você não pode mais usar suas pernas, só usa os pés para acelerar e frear e fazer curvas sempre é algo especial. É preciso reagir muito rápido para virar o carro, o que foi bem difícil pra mim. Ter um co-piloto também foi uma grande mudança. No primeiro dia, quando pude dirigir o Peugeot 2008, eu sempre queria ver a planilha do meu co-piloto, e depois de algumas curvas em que freei muito tarde, pois estava com um olho na estrada e outro no road book, eu pensei “Não! Tenho que mudar isso. Tenho que tirar na minha mente a necessidade de ver e ler as notas do traçado”. Eu passei a escutar o que o co-piloto dizia e imaginar qual era a figura exata que estava no road book. E, pra falar a verdade, eu peguei o jeito rapidamente. Eu quero escutar do co-piloto palavras bem específicas quando vamos cruzar um rio, dar uma salto grande, um salto pequeno, quando é off-pista, quando é on-track… Eu montei um vocabulário próprio para nos comunicarmos e meu co-piloto usa isso.
Sobre a transição da KTM para a Yamaha e depois pra Peugeot… em um time de moto temos duas ou três pessoas para uma moto e duas motos na equipe, então, seis assistentes. Em uma equipe de carros, somos quase 90 pessoas para quatro carros. Há engenheiros e especialistas para tudo, partes de carbono, motor, amortecedores, quatro mecânicos para o carro, um especializado em motor… A transição foi muito tranquila, pois cada membro da equipe é, talvez, o melhor em seu trabalho. É por isso também que melhorei meu estilo de guiar o carro bem rapidamente.
Você e o brasileiro Felipe Zanol disputaram um Rally dos Sertões e parece que ali começou uma amizade muito bonita. Qual a sua relação atual com o piloto brasileiro?
CD: Houve vários rallies em que briguei muito por posição contra outros pilotos, durante esses 11 anos no Dakar. Porém, um dos competidores mais duros que já enfrentei foi o Felipe [Zanol] no Rally dos Sertões, em 2012 ou 2013, não me lembro. Ele era um piloto muito rápido e limpo, não cometia erros grandes. Me lembro de uma etapa de mais de 250km, depois de mais de 250km forçando a moto ao limite, estávamos separados por 8 ou 10 segundos. É muito louco pensar isso. E, é claro, nos tornamos amigos, pois foi uma corrida excelente, com um traçado muito bom e uma briga estupenda. Lutamos na pista, usando nossas motos, nossa experiência, nossas ferramentas. Assim, é claro, nos tornamos amigos.
Fiquei com muito medo quando ele teve aquele acidente horrível nos EUA. No mês seguinte ao acidente, estava falando com ele por Skype e fiquei muito feliz que ele sobreviveu bem à batida. Encontrei com ele algumas vezes depois em etapas de rally, mas não tenho notícias dele há mais ou menos um ano. É uma das melhores memórias de rivalidade que tenho da minha carreira de motociclista.
E quanto ao Brasil? Qual sua relação com o país?
CD: Já estive no Brasil algumas vezes, mas tudo é mais ou menos novo pra mim sempre quando volta lá para competir. Já passei alguns dias de férias pré e pós corrida no país também. Lembro-me de um lugar em especial: Parati, uma pequena vila próxima ao mar. Passamos uns dias nessa cidadezinha, que é uma das mais belas que já vi. Eu também fiquei muito impressionado com a organização em Goiânia, com um grande show, grande estrutura e muitas pessoas no evento. Também gostei muito do traçado do Sertões, especialmente quando chegamos no Nordeste do país. Escorregadio, às vezes, e empoeirado… Adorei quando chegamos às dunas, com lagos no meio. E, claro, fiquei feliz com as poucas vitórias que tive por lá. Sempre estarão em minha memória.
Cyril Despres antes do Dakar 2013, na KTM
Fique ligado em 2018
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