Por trás da máquina: Prika Becker conta histórias dos 20 anos de carreira como treinador e mecânico da base do motocross brasileiro

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Prika está no comando das ações de Thui Todeschini desde o início da temporada 2012 - Foto: Elton Souza / BRMX
Prika está no comando das ações de Thui Todeschini desde o início da temporada 2012 – Foto: Elton Souza / BRMX

 

Na segunda entrevista da série “O Homem por trás da máquina”, o BRMX conversou com Dilson Becker, o Prika.

Mecânico especializado no trabalho com crianças – atualmente está ao lado de Arthur “Thui” Todeschini – Prika faz parte de um dos clãs mais famosos do motocross nacional.

Irmão caçula de Milton “Chumbinho” Becker e Elton Becker, Prika sonhou em ser piloto. Tentou no ano de 1995, quando carregou o peso de ser um Becker e ter a “obrigação” de vencer corridas.

– A cada cinco provas eram cinco ambulâncias – brinca.

– Eu me cobrava muito e era muito cobrado por ser irmão dos caras. Era um prazer pra qualquer um dar pau em um Becker. Na época, o Chumbo e o Elton eram os caras – confidencia.

Aos 35 anos, Prika tem 20 anos de experiência como mecânico e treinador. Só trabalhou com crianças e seus irmãos.

– Foi ideia do Chumbo (virar mecânico). E também por questões financeiras. Meu pai não queria investir de novo. Tu sabe como é Itapiranga (cidade no interior catarinense, onde nasceram os irmãos Becker). Andar de moto é encarado como uma diversão, não como um trabalho.

– Trocando uma ideia com o Chumbo, ele disse que a área era deficiente, e que eu ficaria no motocross muito mais tempo que ele.

– Na época fiquei meio chateado. Sempre quis correr. Ainda tenho essa vontade de andar de moto. E acho que é por isso que cobro tanto meus pilotos. Não admito o cara ter tudo na mão e não dar valor. É inadmissível! Tem estrutura, tem acompanhamento, tem tempo para treinar, tem tudo. Se eu tivesse tudo isso, andava de graça. Estaria realizado!

 

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Prika trabalhou ao lado Eduardo Rudnick – Foto: Arquivo Pessoal

 

Sua trajetória começa em 1992, como mecânico do Chumbinho. Em 1993 trabalhou com paranaense Marcelo Schimoguiri, e no ano seguinte acompanhou o irmão multicampeão no Campeonato Argentino.

Coincidentemente, na época acontecia o inverso do que acontece hoje. Brasileiros e outros estrangeiros entupiam o país hermano para correr motocross.

– O campeonato era muito forte, passava na televisão, tinha conferência de imprensa na segunda-feira. O Chumbo tinha umas seis motos – lembra.

– Aí os pilotos argentinos fizeram um abaixo-assinado para tirar os estrangeiros. Todo mundo teve que ir embora. Só que o campeonato morreu. Em 95 já não valia mais nada. E a grana que economizei na Argentina, gastei tentando andar de moto.

– Foi então que decidi treinar pilotos de uma vez por todas. Até então não botava muita fé no que o Chumbo tinha falado, mas hoje já tenho 20 anos de carreira e vejo que está mais fácil eu continuar no meio do que ele.

Na volta da Argentina, Prika treinou o catarinense Eduardo Silva, que já parou de competir profissionalmente, e depois o paranaense Leandro Silva, hoje, um dos principais pilotos da MX1.

– Ter trabalhado com o Leandro é um dos meus orgulhos. Experiência legal tive também com a Jéssica Michele Gemniczac, meu primeiro trabalho com menina, e a primeira no Brasil a subir num pódio da categoria 80 – orgulha-se, assim como quando fala do trabalho recente com Enzo Lopes, ou dos mais antigos, como Kurt Airton Rocha, Kaian Teixeira, Eduardo Rudnick.

 

Segunda etapa - Salvador (BA)
Em três corridas disputadas entre Superliga e Brasileiro, Thui e Prika venceram todas – Foto: Luiz Pires / Vipcomm

 

Além de cuidar da moto, Prika é o responsável pela formação de corpo e cabeça do atleta. Ao lado dos pais, de uma nutricionista, e de um personal trainer, rege a alimentação, o sono, os horários, a vida de seus atletas.

– É o bem maior de um pai que está nas minhas mãos. A responsabilidade é grande, e nem todas as pessoas conseguem administrar isso. Acredito que por isso, todo ano recebo proposta para continuar com as crianças. Me identifico com a molecada. Acho isso bacana.

 

Por onde tu começas o trabalho?

– Em primeiro lugar vem a disciplina. O cara tem que fazer o que tu pede. Tem que pagar pra ver. Tem que me desafiar e testar o que eu peço. Depois, moto. Um piloto que não passa pela 60 e 80, dificilmente vai ser alguém na MX1 ou MX2. O Thui e o Enzo, por exemplo, começaram a andar de moto com três anos de idade. Quando tiverem 13, vão ter 10 anos de experiência. É muita coisa.

– E outra: não tem espaço pra frescura. Se não for determinado, raçudo, não vai virar piloto. Vai levar um tombinho e vai ficar com medo? Vai tomar uma bronca e vai ficar magoado? Não tem espaço. A não ser que queira ser só mais um.

– Tem que treinar, se dedicar, dormir cedo, cuidar da alimentação, deixar festa de lado, deixar namoradinha de lado, tem que abrir mão de muita coisa.

Mas isso não causa fadiga numa criança?

– Cansa, mas a carreira de piloto é curta. O cara não vai competir até os 40. Meu irmão que é vidrado em MX e por isso ainda está no circuito, e também porque antigamente era mais raça. Hoje em dia é diferente.

E se fosse pra trabalhar com adulto, seria igual?

– Eu considero muito mais fácil trabalhar com adulto. Se eu falo pra um piloto adulto que ele tem que treinar, e ele diz que não vai, então não vai né, meu! O cara é adulto! Ele que sabe.

– Criança é diferente. Eles ficam brabos contigo por causa de um esporro, param de falar contigo, dizem que você é mau, que é isso e aquilo. Mas têm coisas que precisam ser feitas. Ao mesmo tempo é parceria, é video-game, é MX ATV (jogo de motocross para Play Station). Rola até uns desafios nos boxes, com outros pilotos. Na época do Play 2, só perdia pro Hector (Assunção), até porque o Hector é muito viciado, cheio das manhas – ri.

 

Além de treinar, ajustar a moto, jogar vídeo-game, ser meio pai, meio psicólogo, meio irmão, tem o trabalho de dirigir motorhome, arrumar as coisas pra viagem…

– Tem tudo isso. Voltei de Salvador na terça-feira (3 de abril). Descarreguei as coisas e fui treinar com o Thui. Só tinha terça e quarta pra treinar. Quinta-feira tinha que lavar, carregar as coisas e vir pra cá (Carlos Barbosa). E daqui vai ser lavar as coisas e ir direto pra Recife. É dia e noite trabalhando. Mas eu gosto muito desse negócio. Motocross é minha vida.

– Tenho 20 anos de carreira. Meu irmão tem uns 30. Então são 30 anos que na minha casa é disputado campeonato. Não participado, é disputado. É entrar pra ganhar – encerra.