Blake Wharton visita sede do BRMX e conta detalhes sobre o AMA Supercross

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Cabelos ao vento. Wharton curte a orla brasileira – Foto: Mau Haas / BRMX

 

NOTA DA REDAÇÃO: Quando Blake Wharton veio ao Brasil, vimos aí uma grande oportunidade de conversar com uma pessoa que convive com o AMA Supercross, o mais badalado campeonato do nosso esporte. Wharton é simples, simpático, acessível e tranquilo. Aceitou o convite e fez uma visita ao BRMX dois dias antes de disputar a final do Arena Cross Brasil 2014. Abaixo você lê como foi esta visita e aprende um pouco mais sobre o mundo do AMA SX. Aproveite!

 

É quinta-feira, próximo do horário do almoço. O telefone toca. Blake Wharton, piloto norte-americano de boas temporadas no AMA Supercross, quer saber se o convite para visitar “a casa do BRMX” ainda está de pé. Meio atordoado, digo que tenho compromissos para sexta-feira, mas que tentarei mudar a programação para recebê-lo.

Mudo. E ligo de volta.

Passa um pouco da meia-noite de quinta para sexta-feira quando Blake Wharton chega à nossa casa, que é também nosso escritório. Sua mãe, Elizabeth, e Mike – mecânico brasileiro e funcionário da IMS Racing – o acompanham. Foram mais de 10 horas de viagem desde a sede da IMS, em Indaiatuba, São Paulo. Estão cansados, mas animados.

Wharton sente fome (mais tarde, descobrimos que ele está sempre disposto a comer).

Oferecemos pão, frutas, queijo, peito de peru ou, então, uma macarrão com legumes. Ele escolhe a massa. Não faz cerimônia para nada. Veste camiseta larga, calças de agasalho e chinelo. Anda descalço pela casa porque não quer sujar, não quer dar trabalho. Olha as fotos no mural, identifica Jeff Emig, pergunta sobre bandas brasileiras, sobre bandas americanas que brasileiros gostam de ouvir. Música, aparentemente, é um de seus assuntos favoritos.

São 2h da madrugada e estamos tocando violão na sala de casa. Wharton canta e toca. Nirvana, Audioslave, Alice in Chains, Creed estão no repertório. Mostra talento, dedilha o violão e canta como alguém que domina a arte. Sua mãe, orgulhosa, admira. Cantamos juntos e falamos de motocross até as 3h, quando Wharton sugere:

– Acho que podemos continuar isso amanhã. Já são 3h.

 

Going to the beach

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Momento relax ao lado da mãe Elizabeth – Foto: Mau Haas / BRMX

 

É estranho puxar na memória meus tempos de adolescente – quando o mais próximo que eu chegava do AMA SX era através da televisão – e pensar que agora, neste momento, estou recebendo um piloto do AMA Supercross em minha casa. E não é um piloto qualquer, é um cara que já ganhou corrida, que já terminou um campeonato na terceira colocação, que já competiu por grandes equipes!

Por mais que as duas participações de Wharton no Brasil tenham sido “modestas” – sexto lugar na MX1 do Brasileiro MX em Paty do Alferes e terceiro lugar na MX2 do Arena Cross em Itapema -, os leitores do BRMX devem saber que ele é um piloto de ponta nos Estados Unidos. Wharton tem o seu prestígio e, mesmo que não apareça na primeira lista das equipes para o AMA SX 2015, ainda pode estar no gate em Anaheim 1 no próximo janeiro.

Caminhando ao lado dele, busco informações para os leitores do BRMX. Por outro lado, Wharton quer saber mais sobre o Brasil. Quer conhecer. Quer saber como vivemos, o que comemos, o que fazemos. Está, realmente, considerando fazer a temporada 2015 completa em solo brasileiro caso alguma equipe tenha uma oferta para ele.

– São muitas possibilidades. Neste momento estou considerando, e conversando, sobre três possibilidades. Posso vir para o Brasil, posso ir para o Mundial de Motocross ou posso fazer o Supercross. Não quero fazer o SX só por fazer. É preciso um bom contrato. Tem que valer a pena – diz.

Caminhamos até a praia. No caminho, conversamos.

Você sabe  algo sobre a ida de Ryan Villopoto para o Mundial?, pergunto.

– Acho que ele vai. Acho que já está certo – responde Blake uma semana antes de RV ser anunciado pela Kawasaki.

E você acha que isso é bom?

– Acho que sim, é bom para o esporte. E é uma troca. Alguns pilotos da Europa vão para os Estados Unidos. Por que não os americanos irem para a Europa? É como aqui. Talvez para os pilotos locais não seja tão bom, porque nestes casos acabam faltando vagas em equipes para eles, mas para o esporte de uma maneira geral é muito bom. Ajuda a melhorar, ajuda a chamar mais atenção do público. E tudo tem que ser feito pensando no público. O Supercross é tão grande quanto é hoje porque os promotores fazem um espetáculo para o público, seja o que vai ao estádio ou ao que está em casa, porque passa na televisão – opina.

 

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Passeio de barco para conhecer a Guarda do Embaú, em Santa Catarina – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Blake caminha e cantarola. É muito musical. Também quer investir na carreira de cantor para ter uma profissão depois que parar de pilotar profissionalmente.

– Ele sabe que a carreira de piloto é curta. Por enquanto quer fazer as duas coisas, mas entende que pode viver da música depois que não puder mais competir de moto – explica sua mãe.

Ao chegar à praia, Blake e sua mãe se impressionam com a beleza natural. Dizem que o local se assemelha com a Califórnia ou até mesmo com o Hawaii. Caminham na areia. Blake tira a camiseta e se deita na areia para tomar sol. Tampa o rosto com seu característico chapéu e parece dormir ao som das ondas quebrando no mar.

– Procuro aproveitar e viver cada momento. Só fico realmente brabo quando meus resultados na pista são ruins – revela.

 

Muito investimento na promoção

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Estilo Blake Wharton de ser. Chapéu, cabelos longos e óculos escuros sempre à mão – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Promover o campeonato, os pilotos, a equipe. Estas são as dicas de Elizabeth, a mãe de Blake Wharton quando pergunto a eles o que o Brasil deveria fazer para melhorar o motocross local.

– Eu vi uma boa pista, bons pilotos, equipes com boas estruturas, mas achei o local da corrida (Paty do Alferes) estranho. Por que fazer uma corrida em um lugar assim? Como as pessoas vão chegar até lá? Como não tinha internet wifi para que pudéssemos nos comunicar? Vocês precisam promover melhor o motocross, fazer ele chegar até as pessoas, mostrar os detalhes, como funciona, ensinar a gostar – indaga e sugere Elizabeth.

Blake Wharton é um exemplo claro de como um piloto pode ser bem promovido. Além de bom atleta, tem sua mãe cuidando da sua imagem quase 24 horas por dia. Ele tem estilo, tem carisma, sabe dar entrevista, se comporta com naturalidade na frente das câmeras. Digite o nome dele no Youtube e você assistirá vários vídeos em que ele se mostra para as câmeras de uma maneira natural. No que isso ajuda? A equipe pode se aproveitar dessa facilidade para fazer ações promocionais, por exemplo. Ou, no mínimo, ajuda a melhorar seu relacionamento com fãs, o que nunca é demais.

 

Entrevista para encerrar

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Welcome to the jungle – Foto: Mau Haas / BRMX

 

Na sua segunda e última noite em nosso home office, pergunto a Wharton se ele concederia uma entrevista para falar aos brasileiros alguns detalhes do AMA SX. Ele aceita e nem solta seu característico “Chihuahua”, uma expressão pessoal que usa com frequência quando se depara com algo perigoso, inusitado, inesperado, surpreendente. Para alguém que foi tricampeão do Loretta Lynn’s ou 15 vezes campeão do Mini O’s, e que está acostumado com as câmeras e o main stream, uma entrevista sentado no sofá, dedilhando no violão, parece algo muito simples.

 

Como funciona um grande time no Supercross? Você esteve na GEICO Honda e na Rockstar Energy Suzuki. Como é isso? Nos leve um pouco aos bastidores?
Blake Wharton: Alguns pilotos moram na Califórnia e outros na Flórida (lados opostos do país). Outros no Texas, ou ainda em outros estados ao longo de todo país. Alguns ficam na Califórnia ou na Flórida o tempo todo, mas outros vão e voltam. Eu costumo ir para a Califórnia por um longo período. Vou em novembro e fico até julho. Mas os times não são exatamente times ao longo da semana. E na corrida é tudo muito individual também. É claro que tem um time por trás. Os mecânicos, os chefes de equipe, os donos da equipe. Eles formam um time. E às vezes você tem pilotos como colegas que são seus companheiros, que você se dá bem. E às vezes não, às vezes a disputa entre vocês é muito grande. Depende muito. Depende dos pilotos. Às vezes você cresce correndo contra um cara, desde a 65, 85, e você se torna profissional e continua sendo rival dele. Às vezes você se torna amigo, às vezes não. E mais: geralmente tem tantos pilotos bons no gate que não é apenas com seu companheiro de equipe que você deve se preocupar. E nos Estados Unidos a rivalidade entre pilotos é grande, é mais agressiva, é mais intensa. E é maior que na Europa, acho que é maior que aqui (Brasil) também.

BRMX: Mas você tem amigos pilotos. Tem pilotos que são camaradas?
Blake Wharton: Bret Metcalfe é muito legal, Thomas Convington também, toca também, cresci com Trey Canard, um cara muito querido, Jimmy Albertson, tem muitos caras legais. Mas é normal que você não se dê bem com todos.

BRMX: Nas corridas nos EUA, há tempo para sair caminhando pelo box e conversando com outros pilotos ou fãs?
Blake Wharton: Sim, é possível. Muitas vezes o seu treinador é o mesmo que de outro piloto e nós sentamos todos juntos e conversamos sobre os treinos, sobre onde conseguimos melhores traçados, onde fomos mal. Debatemos o assunto, a moto, os tempos. Nessa hora somos um time. O mecânico mostra vídeos, traçados, sugere melhorias. O “team manager”, o cara da suspensão, todos vêm dar sua visão para você melhorar.

BRMX: Quantas pessoas você tem na sua equipe pessoal?
Blake Wharton: Costumo ter um treinador, meus pais, meu irmão e um mecânico. A maioria dos pilotos têm esta estrutura.

BRMX: Quem contrata o mecânico? Você ou a equipe?
Blake Wharton: O time, mas ele trabalha exclusivamente para mim.

BRMX: Mas é o piloto que indica?
Blake Wharton: Depende. Na maioria das vezes, a equipe que escolhe e você aceita.

 

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Wharton e sua vestimenta “Brazil” – calção de time de futebol do interior e camiseta BRMX – Foto: Mau Haas / BRMX

 

BRMX: Você tem agente, empresário, ou você mesmo negocia seus contratos?
Blake Wharton: Meu pai costuma me ajudar nisso. Ele geralmente fala com as equipes. Temos boas relações com elas desde que eu e meu irmão (ex-piloto Tyler Wharton) éramos crianças. O agente é bom quando você não conhece muito as pessoas. Se venho ao Brasil, por exemplo, é por ter um agente para me ajudar a negociar. Mas a maioria, nos Estados Unidos, tem agente. 60% tem.

BRMX: Quem paga o treinador?
Blake Wharton: À vezes o time paga, mas na maioria das vezes é o piloto que contrata e paga com seu próprio dinheiro.

BRMX: Você consegue ganhar bastante dinheiro sendo piloto nos Estados Unidos?
Blake Wharton: É possível. Se você anda entre os três primeiros, faz um bom dinheiro. Se você é top 5, também ganha legal. Top 10, não muito. Se for apenas 15º, nada.

BRMX: Como as equipes pagam? Mensamente?
Blake Wharton: Eles pagam mensalmente, e se você vai para o pódio, pagam um bônus.

BRMX: Você pode ter patrocinadores pessoais?
Blake Wharton: A maioria das equipes já têm um contrato fechado. As equipes têm tudo. Energy drink, roupas, capacetes, luvas, tudo.

BRMX: O que é bom e o que é ruim quando você está em uma grande equipe?
Blake Wharton: O lado bom é que você tem tudo que precisa em uma corrida. O equipamento é bom, os patrocinadores são grandes marcas, eles têm dinheiro, lhe pagam bônus. A parte ruim talvez seja que você não tem nenhuma particularidade. Tudo é igual para todos (os pilotos do time). Como no caso dos patrocinadores, que você não pode ter um pessoal, algum que se identifica especialmente contigo. Mas, com certeza, é melhor estar em uma equipe.

BRMX: Como é sua rotina de treinos na semana?
Blake Wharton: Depende do momento e do treinador. Costumo treinar de três a quatro vezes por semana com a moto, e três a quatro vezes por semana na academia. E se você tem um treinador, você segue o que ele manda fazer. Eles não dão folga. Se falam “você vai para a pista”, então você vai para a pista. Não importa se você está disposto ou não, não importa o seu humor naquele dia. E isso é uma das grandes diferenças nos Estados Unidos. É muito treino, muitas horas com a moto. Sempre mais rápido. Sempre mais intenso.

 

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A mãe está sempre por perto, incentivando e cuidando da imagem – Foto: Mau Haas / BRMX

 

BRMX: Você se preocupa com alimentação?
Blake Wharton: Sim, cuido para comer coisas saudáveis e seguras, como massas e arroz. Depende muito do que o treinador diz e de suas preferências. A dieta é importante. Quando eu voltar para os EUA, entrarei em uma dieta muito rígida. Pode não fazer muita diferença, mas quando você é profissional, todos os mínimos detalhes são importantes. Significa milésimos de segundos na pista. Um pouco mais na pista. Um pouco mais na academia. Um pouco mais na bicicleta. No fim, faz diferença. Isso faz você profissional.

BRMX: Você treina baterias completas ou faz treinos específicos?
Blake Wharton: Varia bastante, mas faço mais baterias de 30min, às vezes de 40min. Agora preciso voltar à forma. Então tenho que que fazer baterias. Depois posso focar em detalhes, sprints, curvas. Sempre tem um programa, e você segue isso à risca.

BRMX: Você trabalha com psicólogo?
Blake Wharton: Sim. Não neste momento, mas já trabalhei muito. É importante.

BRMX: Quais as diferenças entre motocross e supercross?
Blake Wharton: Motocross é mais quente, é de dia, no verão, as pistas mais longas e mais difíceis. Motocross é um pouco mais difícil para todo mundo. Mas o Supercross é mais técnico, mais arriscado, mais perigoso, saltos grandes. Eu prefiro Supercross. Tive mais sucesso e acho que me sinto melhor na pista. Ao mesmo tempo, cresci correndo motocross e gosto muito também. É possível se dar bem nos dois.

BRMX: Você sente a atmosfera do supercross, o estádio lotado, os fãs gritando?
Blake Wharton: Na corrida, nada.

BRMX: Você nem fica nervoso?
Blake Wharton: Um pouco, mas não por causa dos fãs, e sim por causa da corrida. Você não olha para a arquibancada e pensa “ai meu Deus quanta gente”. Não é esse o problema.

Por que seu irmão não pilota mais?
Blake Wharton: Ele tem um problema no intestino (Doença de Crohn), e correr de moto não faz bem para ele por causa disso.

BRMX: Neste ano você se machucou no meio do Supercross. Teria corrido o motocross não fosse a lesão?
Blake Wharton: Não. Meu contrato era só para o supercross. Eu entrei tarde no time e então meu contrato era apenas para o SX naquele momento. Eu poderia ter feito o motocross porque alguns pilotos se machucaram e talvez eu tivesse entrado no lugar de algum deles. Mas aí me machuquei e soube que não teria chance alguma de participar do motocross.

 

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No pódio do Arena Cross depois de cair na largada – Foto: Mau Haas / BRMX

 

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Blake Wharton durante a sexta etapa do Brasileiro de Motocross, em Paty do Alferes – Foto: Mau Haas / BRMX